"Quando viu seu pai ser preso, Inna (nome fictício) imaginou que conseguiria superar o trauma de ter sido submetida a estupros contínuos desde a infância na casa da família em Moldávia, ex-república soviética localizada próxima à Ucrânia. Mas ela estava enganada.
Grávida de seu algoz, a jovem não viu outra escolha a não ser aceitar a ajuda da madrinha e seguir rumo a Turquia com a promessa de que faria um aborto. Já no aeroporto de Istambul, Inna percebeu que havia algo errado.
Acompanhada de dois homens, a jovem foi levada a uma casa onde havia outras três garotas, moldavas e ucranianas. Não demorou muito para ela descobrir que havia se tornado escrava sexual.
Nos primeiros encontros, ela tentava evitar as investidas, explicando que esperava um bebê. Em vão: os clientes a violentavam segurando-a pela barriga já aparente."
O relato poderia compor uma obra de ficção, mas faz parte da série de casos reais abordados pela moldava Stela Brinzeanu no livro Bessarabian Nights, que aborda o problema do tráfico humano no país.
"Ouvi várias histórias de garotas que foram enganadas e traficadas para a indústria do sexo. Cada história é trágica, mas essa me chocou de uma maneira muito profunda", afirma ela em conversa com o iG.
De acordo com o segundo índice mundial sobre tráfico humano divulgado em novembro de 2014 pela Fundação Free Walk, um grupo de direitos humanos com sede na Austrália, há cerca de 36 milhões de pessoas em situação análoga à escravidão em bordéis, trabalhos manuais, servidão por dívida ou nascidas em regime de servidão.
Na Moldávia, pelo menos 25 mil pessoas são vendidas para o exterior anualmente, divulgou o Instituto Nacional de Estatística no ano passado. O documento aponta que homens são comercializados principalmente para trabalhos em fazendas e mulheres, enviadas a prostituição em países como a Turquia e Emirados Árabes – 10% delas têm menos de 12 anos.
Questionada sobre porque escolheu esse tema para a estréia na literatura, Stela afirmou que as constantes denúncias sobre moldavos encontrados em regime de escravidão sexual pela Europa a incomodaram tanto que ela decidiu ajudar como podia. Os números são tão altos que o país é conhecido como um "ponto quente" para a venda de pessoas.
"Como em qualquer romance de estreia, o autor tende a gravitar em torno de questões dolorosas. Essa é a minha", pondera.
Formada em mídia e produção de TV na University of Westminster, em Londres, Stela decidiu se mudar de vez para o Reino Unido em 2000, onde vive desde então. Segundo ela, a distância de suas origens foi boa para "evidenciar os problemas sociais que eu não conseguia ver quando morava na Moldávia".
Com a publicação do livro, Stela espera ajudar a combater as principais causas do problema, como pobreza, drogas e tradições religiosas que sustentam as discriminações contra as mulheres.
"Recebi auxílio da Organização Internacional de Migração, que ergueu um centro de acolhimento às vítimas em Chisinau (capital da Moldávia) e de outros jornalistas do meu país para conseguir contar essas histórias. Viajava para a Moldávia duas vezes por mês para falar com as vítimas e permanecia no país por duas semanas", detalha.
O livro pode ser encontrado em inglês nos sites Amazon, Ibooks, Kobo e Nook. Ainda não há previsão sobre quando e se deve ser vendido no Brasil.