“Xismen” (em referência aos mutantes das histórias em quadrinhos X-Men), “Alucard” (Drácula, de trás pra frente) e o impronunciável “Gesptsfl”. Esses são apenas alguns dos nomes que já foram recusados em um cartório de Sorocaba (SP). Na semana passada, a notícia de que um pai foi impedido de registrar o filho com o nome que queria foi destaque no G1. O pai, Roberto Angelotti Junior, reclamou que teve que escolher Pietro, já que a oficial que o atendeu afirmou que o nome pretendido, Piedro, não existia e, por isso, não poderia ser utilizado.
“As pessoas chegam aqui e falam que podem colocar o nome que quiserem nos filhos, mas não é assim que funciona. Tem que pensar no futuro da criança, já que ela pode sofrer bullying ou outro tipo de constrangimento”, afirma o oficial responsável pelo Cartório de Registros do primeiro subdistrito de Sorocaba, Sebastião Santos da Silva.
Os casos citados no começo deste texto foram levados para análise de uma juíza, que concordou com a posição do cartório. Isto porque o parágrafo único do art. 55 da Lei de Registros Públicos prevê essa autonomia para os oficiais de cartório. O texto afirma que “não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores”. Se o responsável pela criança não concordar com a posição do oficial, o funcionário do cartório deve encaminhar o caso, via ofício, para um juiz.
De acordo com Silva, em outro episódio, um pai quis colocar na criança o sobrenome de “Corinthians”. O caso foi para análise da juíza, onde o responsável pelo bebê comparou o nome do time com o sobrenome “Santos”. A justificativa, entretanto, não foi aceita, e o pai também foi impedido de ter o seu time registrado no sobrenome da criança.
O caso de Gesptsfl é um dos mais recentes. “Os pais nem sabiam o que significava isso. Disseram que tinham inventado e achavam bonito. Nós não concordamos e mandamos para a juíza, que também não concordou”, conta.
Ele comenta que casos assim são normais, comuns. “Isso acontece quase todo dia, mas na maioria das vezes os pais concordam com os oficiais e escolhem outros nomes para as crianças.”
"Piedro" pode
A confusão toda com o nome de Piedro só foi gerada porque o registro se deu no cartório dentro de um hospital da cidade. Segundo Silva, que é responsável pela unidade, o nome foi negado por se tratar de um erro ortográfico. “Pedro em italiano é Piedro. Mas, em português, temos um erro de ortografia. É como se escrevessemos geladeira com ‘j’”, compara Silva.
O recém-nascido Piedro foi registrado como Pietro após a oficial sugerir a alteração no momento do registro. O pai contou ao G1 que aceitou a mudança, mas depois se arrependeu.
Segundo Silva, neste caso a criança poderia ter sido registrada como Piedro, desde que isto tivesse acontecido na sede do cartório, que fica no Centro da cidade. “A oficial conversou com o pai da criança e falou sobre a grafia correta. Como ele concordou e o caso não foi para análise da juíza, para mim este assunto já estava encerrado. Se ele nos procurasse aqui no cartório, faríamos uma observação na certidão de que o nome foi grafado conforme exigência do responsável, o que não pode ser feito no hospital.”
O oficial explica que a observação é um cuidado que a instituição tem para evitar que sejam alegados erros de digitação por parte do cartório. “Depois alguém pode dizer que o nome está errado e que o cartório errou na hora do registro”. Caso realmente exista um erro de digitação, basta o responsável pela certidão de nascimento procurar o cartório para providenciar a alteração.
Bom senso
Para o presidente da comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB, Eric Rodrigues Vieira, é preciso bom senso na hora de se registrar o nome de uma criança, já que a legislação sobre o assunto não especifica quais seriam os critérios que poderiam classificar como vexatórios os nomes escolhidos pelos pais. “Infelizmente não existe um manual para bom senso. De qualquer maneira, não é a opinião do oficial que deve prevalecer, mas sim a razoabilidade e bom senso.”
A orientação é que os pais recusem-se a efetuar o registro. “Caso os responsáveis insistam no nome, o oficial deve iniciar um processo administrativo de dúvida ao juiz corregedor. É esse juiz, com a participação do Ministério Público (defendendo o interesse do incapaz), que deverá sentenciar o ‘bom senso’ e definir se é possível ou não registrar o menor com o nome escolhido.”
Apesar disso, é importante frisar que o prazo previsto em lei para o registro das crianças é de 15 dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de 30 quilômetros da sede do cartório.
Ainda segundo Vieira, quando o nome escolhido causa constrangimento ou problemas na vida da pessoa, é possível alterá-lo por meio de ação judicial própria. “A lei fixa como prazo o primeiro ano depois de atingir a maioridade civil, aos 18 anos, para a pessoa requerer a alteração de seu prenome.”