Desde 2013, ratos treinados foram os responsáveis por detectar 1.182 casos de tuberculose que passaram despercebidos em unidades de saúde da cidade de Maputo, capital de Moçambique, no sudeste da África.
Apropriadamente apelidados de “HeroRATs”, ou “ratos heróis”, eles conseguem diagnosticar a doença com uma precisão de até 80%. Além de ser mais barato, o método pode ser até 20 vezes mais rápido do que os testes tradicionais, ampliando a detecção e tratamento da doença e, consequentemente, freando sua propagação.
O projeto, que teve início na Tanzânia, é da organização belga Apopo, que se dedica a desenvolver métodos de detecção usando ratos treinados. O diagnóstico de tuberculose é apenas uma vertente da ONG, que também treina roedores para encontrar minas terrestres em países afetados por esse problema.
Por que ratos?
O médico Emilio Valverde, gerente do projeto de detecção de tuberculose em Moçambique e professor da Universidade Vanderbilt, nos EUA, conta que a ideia de usar ratos para ajudar a humanidade foi do fundador da Apopo, Bart Weetjens. "Ele mantinha ratos como bichos de estimação quando criança e percebeu que os animais eram inteligentes, treináveis e com olfato muito preciso."
Primeiro, veio a ideia de treiná-los para detectar minas terrestres enquanto analisava o problema que atinge muitos países devastados pela guerra na África Subsaariana. Valverde conta que o explosivo usado em minas terrestres, o TNT, tem um odor forte e Weetjens passou a treinar os bichos para reconhecer esse cheiro. Deu certo e hoje o projeto é desenvolvido em Moçambique, Tanzânia, Tailândia, Angola, Cambojam Vietnã e Laos.
Em seguida, Weetjens e uma equipe de pesquisadores quiseram ver se havia outras questões humanitárias "relacionadas ao odor" em que os ratos poderiam ser usados. "Em estágios avançados da doença, até os humanos podem sentir um pouco do cheiro da tuberculose, então eles decidiram tentar e começaram a treinar ratos, com sucesso", conta o médico.
Como funciona?
Os "ratos heróis" começam a ser treinados a partir da quarta ou quinta semana de vida. Na primeira fase, os ratinhos são separados das mães e começam a se familiarizar com o mundo humano. A partir da sexta semana de vida, os ratos são treinados para associar um barulho de clique com uma recompensa em forma de comida. Duas semanas depois, são apresentados ao cheiro característico da bactéria causadora da tuberculose, o Mycobacterium tuberculosis. O rato se especializa, então, em reconhecer esse odor em amostras de escarro humano.
Durante o treinamento, os ratos cheiram uma série de 10 buracos dentro de uma gaiola. Sob cada buraco está uma amostra de escarro humano que deve ser avaliado. Quando ele detecta a tuberculose, sinaliza para os profissionais do laboratório mantendo seu nariz no buraco por pelo menos três segundos. Quando eles indicam a presença da tuberculose em uma amostra que comprovadamente contém a bactéria, recebem comida de recompensa: banana ou amendoim.
Para serem acreditados como HeroRATs, os bichos têm de passar por um teste final em que comprovem sua capacidade de detectar a doença.
Qual a vantagem?
Valverde observa que os países mais afetados pela tuberculose são justamente os mais pobres. "Recursos limitados são um problema prevalente em regiões que têm uma carga elevada de tuberculose." Ele cita que, a cada ano, 9 milhões de pessoas são infectadas pela tuberculose e 3 milhões desses casos ocorrem na África Subsaariana justamente por causa dos sistemas inadequados de saúde e falhas na detecção da doença.
O exame mais usado nesses países é o de microscopia. Apesar de serem precisos na teoria, eles são muito demorados e, dependendo da qualificação dos técnicos que o realizam, de 20% a 80% dos casos podem passar sem ser detectados.
"Os ratos de detecção da tuberculose são pelo menos tão precisos quanto os exames convencionais de microscopia, mas sua principal vantagem é que eles são 20 vezes mais rápidos", diz Valverde. Enquanto um rato é capaz de cheirar centenas de amostras em 20 minutos, um técnico de laboratório faria o mesmo trabalho em quatro dias.
Em Maputo, a organização Apopo desenvolve o projeto em colaboração com o Ministério da Saúde de Moçambique e com a Universidade Eduardo Mondlane, maior universidade do país. O projeto tem parceria com 13 unidades de saúde da cidade.
Desde 2013, os ratos já avaliaram 36,561 amostras humanas da capital, aumentando em 48% a taxa de detecção da doença nessas clínicas. A organização calcula que 8,5 mil novos casos foram evitados a partir dos casos a mais que foram detectados com os ratos.