O clube da esquina de Anadia

“A minha cidade tem poetas, que chegam sem trombetas nem tambores”. Acompanhado da melodia, da genialidade do músico mineiro Milton Nascimento e, de posse desses versos, tento descrever o clube da esquina de Anadia.
Evidentemente, que o outro clube da esquina – o mineiro – é famoso, e o Brasil inteiro passou a ter conhecimento dele, através das músicas e parcerias dos famosos Milton, Wagner Tiso e os irmãos Marilton, Márcio e Lô Borges.
Compondo, tocando entre amigos,frequentando sempre os mesmos bares e lugares, despontaram com seus talentos. E pondo pé na estrada e na fama ao ganhar um festival de música popular brasileira, o restante todos nós sabemos onde eles nos embalaram e levaram com suas canções.
É, mais o clube da esquina da nossa Anadia – tem muitas estórias pra se contar. A primeira que vou falar é sobre “a pedra de amolar pincel”. Alguém já ouviu falar? É melhor eu começar a falar onde ficava o clube e quem fazia parte dele.
Imaginem em uma cidade de interior, onde as pessoas após um dia de trabalho e labuta buscavam naturalmente algo pra descansar, descontrair e relaxar. Com o cair da noite as cadeiras eram colocadas nas calçadas, onde começava a se ouvir as conversas, as deliciosas risadas e gargalhadas. Coisa mais comum naquela época.
O local de encontro do clube era a mercearia do seu João Alfaiate – sempre nos mesmo horário, das 21h30 até a madrugada chegar, ou a pauta se esgotar. Tomava assento os membros Adelmo Marques, Adelmo Palmeira, Juarez do Pivetê, Generino, Sebastião Tojal, Zeca da Toca, José Marques, Miguel Elísio, Pedro Bispo, Zeca Barros, João Teixeira, Antônio Caetano, José Barbosa, entre tantos outros.
Todos com uma larga experiência, mas que ao ocuparem seus lugares no recinto se tornavam crianças em face das brincadeiras, pilhérias, estórias contadas e compartilhadas. A cidade vivia um tempo de calmaria; tranquilidade e uma doce cumplicidade com as noites cheias de alegrias e prosas.
O clima de descontração e de humor só era quebrado, quando entrava um cliente na mercearia, que de forma cortes era atendido pelo seu João Alfaiate – dono do estabelecimento e condutor das reuniões.
Não sei mensurar a quantidades de vezes que participei meio que como penetra, pois muito jovem era para estar inserido naquele contexto e participar de tão prazerosas conversas. Falava-se de tudo! Menos da vida alheia. E ali aprendi e ouvi várias estórias, como também a esperar a vez de falar, o tempo de ouvir, e a forma respeitosa como todos se tratavam. Mesmo em assuntos delicados e com a clara intenção de deixar o outro em apuros, era um ambiente muito descontraído, cheio de humor, respeito e uma dose exagerada de boa convivência.
Foi nesse clube que me escrevi e tive acesso, quando voltava do Colégio Cenecista Nossa Senhora da Piedade, recebi um chamado de um dos participantes. Ao chegar, ouvi um sonoro boa noite e a pergunta veio logo em seguida: Você foi hoje na casa do seu Helvécio com o bilhete do José Marques? Antes do meu sim! Não demorou a explosão das risadas de todos que contagiou o local.
A parti daquele dia, não deixei mais de participar das reuniões. E confesso que com eles aprendi muito, inclusive a ter respeito por quem pensa diferente. Eles sem canções nem poesias, sem trombetas,nem tambores, deram uma grande contribuição – maior do até do que se imagina – para a Anadia de tão saudosas lembranças.
A tão famosa “pedra de amolar pincel” era uma criação de bom humor, que buscava colocar para andar os menos avisados e informados. Uma brincadeira com a clara intenção de fazer as pessoas andarem e aprenderem com o tempo.
Continuo buscando resgatar as pessoas que passaram pelo nosso imaginário popular como se busca uma pérola no garimpo. E com certeza ainda não encontrei a pedra de amolar pincel.

(*) Ex-secretário de Estado e filho de Anadia

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