Pelo menos em dois momentos, as "rotinas bancárias mais rigorosas" aplicadas pelo Banco Rural foram citadas no julgamento do mensalão. Segundo interlocutores ligados à instituição, essa rigidez teria contribuído para constatar com detalhes os saques na "boca do caixa" que envolviam as empresas de Marcos Valério, a DNA e a SMP&B.
Na terça-feira, José Carlos Dias, advogado da ex-presidente da instituição, Kátia Rabello, disse que o banco foi vítima da própria transparência. No dia seguinte, foi a vez de Maurício Oliveira Campos Júnior, defensor do ex-diretor do Rural Vinicius Samarane, sustentar que foram entregues documentos até não solicitados pela investigação.
Em 2003, quando teriam ocorrido as primeiras "compras" de apoio parlamentar, o Banco Central do Brasil (Bacen) determinava pela carta-circular 3098/03 que os bancos deveriam solicitar apenas o CPF ou o CNPJ do sacador, mas não do portador (de quem recebia o valor na "boca do caixa") para os saques acima de R$ 100 mil. Obrigatoriamente, os documentos eram enviados então para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Na mesma época, além da solicitação do valor a ser sacado e dos dados de quem iria retirar os valores (por e-mail ou fax), o Banco Rural exigia a assinatura de recibo e de cópia da identidade do portador. Os documentos eram arquivados e também registrados no sistema informatizado do banco.
"Nenhum desses documentos, salvo contabilizado e informatizado, era obrigatório segundo as cartas circulares, mas o Banco Rural entregou, e não foi obrigado a entregar, à Justiça conforme requisitado", disse o advogado Maurício Oliveira Campos Júnior em sua sustentação oral.
"Todas as instituições bancárias são obrigadas a atender as normas do Banco Central mas, além disso, cada banco define os seus procedimentos internos, as suas regras, para se proteger de movimentações ilegais e evitar se tornar vítima de lavagem de dinheiro", explicou Sidnei Turczyn, advogado, professor aposentado de Direito Econômico da Pontifícia e autor do livro O Sistema Financeiro Nacional e a Regulação Bancária.
Segundo o memorial da defesa de Katia, não há restrições do Bacen para realização de saques em espécie por correntistas. "Havendo fundos, cumprindo-se as formalidades próprias, o Banco não pode se recusar a promover saques. A chamada operação intercasas, que permitia ao cliente de uma agência requerer saques em outra praça, constitui procedimento bancário regular. Para sua realização, o banco deve antes comunicar o Bacen para garantir disponibilidade de caixa", alegam os advogados José Carlos Dias e Theodomiro Dias Neto.
Em dezembro de 2004, o Banco Central alterou as normas a serem adotadas pelas instituições bancárias pela Carta-Circular 3151/04. Com isso, os bancos passaram a terem obrigação de informar o CPF da pessoa física que, autorizada pelo sacador, recebem o dinheiro na agência.
Procurado pelo Terra , o Coaf disse, por meio da assessoria de imprensa, que não se manifesta sobre casos específicos.