Yan, 4 anos, obeso, cardiopata e com insuficiência pulmonar, mora no interior do Amazonas. Ele se joga no chão para comer salgadinho antes do almoço, mas perde o ar durante a malcriação.
O pai cede a guloseima e come junto com a criança. A birra é infantil, mas a falta de fôlego sugere que o coração e o pulmão já são típicos de um idoso.
O menino é um dos personagens do documentário ‘Muito Além do Peso’, que acaba de estrear nas salas de cinema do Brasil. Percorrendo as histórias de crianças brasileiras com excesso de peso – todas com quadro clínicos de doenças crônicas que no passado só apareciam após os 60 anos – a obra estimula a reflexão sobre a maior epidemia infantil da história, a obesidade.
“Esse filme tenta entender os motivos que fizeram o ambiente alimentar mudar tanto e resultaram em 30% de crianças brasileiras com sobrepeso ou obesidade no Brasil”, afirmou a diretora do documentário, Estela Renner.
“Encontramos crianças que não conseguem reconhecer o que é um mamão, uma pera”, disse ela em referência a uma das cenas do filme em que uma menina, moradora de uma casa de palafita no interior do Pará, só reconheceu a batata quando ela estava ensacada, na forma de salgadinho. Ao pegar o tubérculo in natura nas mãos, a menina não soube dizer o que era e arriscou a palavra “cebola”. Não foi o único exemplo retratado.
“É grave e triste. A obesidade antecipa outras epidemias da modernidade, como diabetes , problemas cardíacos e depressão ”, completa Estela Renner.
Vilões
O documentário coloca a indústria alimentícia e a publicidade infantil como dois dos principais motivos para explicar o aumento da obesidade na infância. Os brinquedos que são entregues junto com os lanches nas grandes redes de fast-food, a utilização de personagens infantis nas embalagemns de biscoitos recheados e chocolates, além das peças publicitárias que dizem “ser mais felizes” aqueles que consomem uma marca de refrigerante foram apontados pelos especialistas entrevistados no filme – e pelas próprias crianças participantes do documentário – como os responsáveis pela alimentação maléfica e engordativa.
Mas outros “vilões” também são explorados. O endocrinologista infantil Amélio Godoy, que participou do filme e do debate realizado após a estreia, na última segunda-feira (12), citou a genética como um dos culpados para o aumento recorde de obesidade no Brasil.
“O açúcar é aquisição nova em nossa alimentação. A substância é extremamente agressiva ao organismo e nossos genes não são adaptados para ela”, disse.
“O açúcar sobrecarrega os órgãos, impõe a falência celular, esgota a capacidade de produção de insulina (o gatilho do diabetes) e não ajuda na saciedade. Ao contrário. Por promover maior liberação de hormônios, somos incentivados a comer mais. O açúcar acarreta uma terrível sensação de bem-estar.”
Além da inabilidade do organismo para lidar com o açúcar e a atuação viciante da substância no corpo, a chef e psicóloga Ann Cooper – mentora do programa de Michele Obama para conter a obesidade infantil nos EUA – citou as merendas escolares e os rótulos dos alimentos pouco informativos.
“As lanchonetes das escolas precisam estar alinhadas para a alimentação saudável e isso vai fazer com que as crianças não precisem comer maçãs escondidas no banheiro, por vergonha, como tem acontecido hoje”, disse.
“No nosso programa colocamos bufês de saladas nas escolas e eliminamos o refrigerante e as frituras em 1.500 colégios. Acreditem: foi muito difícil, tivemos reclamações, mas nenhuma criança morreu por falta de refrigerante”, brincou Ann que também participou do debate.
“Os rótulos dos alimentos também precisam ser mais claros. Mas a minha dica é: se você lê e não entende o que aquilo significa, por que vai dar aquela substância para o seu filho?”
Para os especialistas, todas as ações t~em como objetivo diminuir uma tendência já detectada pelas pesquisas internacionais e dita, no documentário, pelo chef pop e denfensor da dieta saudável, Jamie Oliver.
“Se nada mudar, o seu filho vai viver 10 anos a menos do que você.”