Diego Amorim
A gramática, que nem estava em jogo, roubou a cena no julgamento sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Três horas após o início do primeiro dia de discussão, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, embaralhou a mais alta Corte do país e criou polêmica também entre os especialistas no idioma. Peluso pediu a palavra para lembrar uma alteração no texto da lei feita no Senado Federal. Onde aparecia que seriam inelegíveis candidatos “que tenham sido condenados”, uma emenda de Francisco Dornelles (PP-RJ) mudou para “que forem condenados”.
Com a intervenção, sustentou o presidente do STF, mexeram no mérito da lei e, portanto, o projeto deveria ter voltado à Câmara para nova apreciação. À época, salvo poucas exceções, os senadores defenderam que a mudança não passou de mero ajuste redacional. O pedido de ordem de Peluso fez o ministro Dias Toffoli adiar o julgamento em um dia. Ontem, quando o assuntou retornou à pauta, Toffoli rejeitou a consideração do presidente da Corte. Os demais ministros tocaram no assunto, mas também decidiram passar por cima da polêmica.
Professor de português e especialista em interpretação de textos Ernani Pimentel acompanhou o rebuliço e dá sua opinião: “O presidente (do Supremo) vacilou”. Pimentel concorda com o argumento de que há, sim, uma diferença entre os tempos verbais das expressões: um está no passado e o outro, no futuro. Mas ele pondera: “O ministro (Peluso) se preocupou com a gramática, mas gramática não existe fora de contexto. Na Lei da Ficha Limpa, o contexto é o passado dos candidatos. A ideia de futuro não existe. O que importa é se eles têm ficha suja, não se eles vão sujar a ficha”.
Mesmo que mude o sentido da frase, acrescenta o professor, a alteração não tem poder, ainda segundo ele, de interferir na finalidade da lei. “Mudaram o texto, mas não o contexto. E o contexto sempre se sobressai ao texto”, reforça. Pimentel faz mais uma ressalva: a de que a redação da lei em questão traz verbos no presente, no passado e no futuro. “O texto usa os tempos verbais indiscriminadamente. A gramática não é o problema, não é o que está em jogo.”
A especialista em linguística e editora de Opinião do Correio Braziliense, Dad Squarisi, pensa de forma diferente. Ela explica que o verbo do trecho “os que tenham sido condenados” está no pretérito perfeito composto, ou seja, se refere a ação passada. Quando os inelegíveis passaram a ser “os que forem condenados”, marcou presença o futuro do subjuntivo, que remete à ideia daquilo que está por vir. “Está claro. É absolutamente indiscutível. O tempo verbal muda, sim, o significado do texto. Uma vírgula muda todo o sentido de um texto”, diz ela, que não acredita em mudança meramente redacional nesse caso.
Simples é melhor
Dad comenta que, para evitar a confusão e eliminar a ideia de futuro, os legisladores poderiam ter simplificado o texto. “Bastaria dizer que a inelegibilidade alcançaria os condenados”, sugere. A lei em questão é resultado de um projeto de iniciativa popular. Quase dois milhões de assinaturas foram colhidas por escrito em todo o país. Pela internet, outros milhares apoiaram a medida. O objetivo: moralizar as eleições, livrando a campanha dos fichas sujas.
Possibilidade
A Lei da Ficha Limpa foi aprovada pelo Senado em maio e sancionada pelo presidente Lula em 4 de junho. Após a sanção, os ministros do TSE decidiram, por 6 votos a 1, que a norma valeria nas eleições de 2010. À época, também foi discutida a polêmica gramatical provocada pela alteração no texto do projeto. O presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, defendeu que a emenda incluída no Senado não alterou o alcance da lei.
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