A celebração do Natal na terra de Jesus Cristo é, antes de qualquer outra coisa, um ato político. Desde as 11h desta sexta-feira (24), grupos de escoteiros ligados a escolas ou associações católicas desfilavam pelas ruas de Belém, na Cisjordânia, à espera do momento em que abririam o cortejo de entrada de Dom Fuad Twal, patriarca latino de Jerusalém – o equivalente a bispo da Terra Santa – na igreja da Natividade, construída sobre a gruta onde nasceu o menino Jesus e compartilhada entre católicos e ortodoxos.
Mais do que o cortejo e os rituais celebrados por ele, as cerca de 40 mil pessoas que estiveram na cidade aguardavam a Missa do Galo, mas nesta celebração não foram os fieis e sim a Autoridade Nacional Palestina (ANP) que acompanhou de perto. A maior parte dos turistas e peregrinos voltou para Jerusalém, a 20 minutos de Belém, no fim da tarde, ou assistiu à projeção da celebração pelo telão instalado na Praça da Manjedoura, do lado de fora do complexo de templos e conventos.
Os poucos lugares para a missa, na igreja de Santa Catarina, ao lado da Natividade, foram reservados a alguns poucos religiosos e, maciçamente, a convidados do presidente da ANP, Mahmoud Abbas. Entre eles, diplomatas, funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU) e instituições e políticos que apoiam a causa palestina.
Para a ANP, a missa tornou-se uma oportunidade para mostrar ao mundo que eles detêm controle sobre seu território, mas carecem de liberdade para ir e vir – para chegar de Jerusalém a Belém, é preciso atravessar e ser revistado nos postos de fronteira sob o muro construído por Israel. Esta ideia aparecia na frase “por favor, orem pela libertação da Palestina”, estampada na embalagem dos pingentes feitos em madeira de oliveira, em formatos de estrela ou árvore de Natal, dados de presente aos peregrinos. Após o reconhecimento pelo governo brasileiro do Estado Palestino segundo as fronteiras de 1967, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) foi convidado para o Natal deste ano.
“Para os árabes, tudo é política”, disse o vendedor de rua Amir Zaqi, depois de perguntar se “a nova presidente do Brasil se chama Dilma, não é?”. Qualquer homem palestino adulto, pelas ruas de Belém ou de Jerusalém, sabe conversar sobre política e explicar o porquê de gostarem dos turistas cristãos. “Israel e Cisjordânia estão em crise. As coisas estão muito difíceis por aqui e sabemos que o turismo traz dinheiro”, sinalizou o motorista de táxi Ahmad.
A comemoração do Natal em plena sexta-feira, dia reservado a orações no mundo islâmico, evidenciou o pragmatismo que tem orientado essa relação: tomada por peregrinos cristãos, em fila para entrar na igreja da Natividade e assistir ao cortejo de escoteiros e padres, a Praça da Manjedoura silenciou ao meio-dia para as orações, chamadas a partir de uma mesquita, no outro lado da rua. Os policiais de plantão estenderam seus tapetes junto com outra centena de homens e rezaram com o rosto no chão da praça, antes de voltarem a reordenar a multidão de turistas. De fato, eles podem agradecer, pois 2010 trouxe o maior número de turistas para a Cisjordânia nos últimos dez anos. Cerca de 90 mil apenas são esperados nestas duas semanas que cercam o Natal.
“Nossa esperança para o Natal é a de que Jerusalém não apenas se torne a capital de duas nações, mas também um modelo para o mundo, de harmonia e coexistência entre três religiões monoteístas”. Com estas palavras em sua homilia, o patriarca Fuad Twal fechou o tom político que marcaram estas celebrações. Ao mesmo tempo em que reconhece a luta palestina pela definição de suas fronteiras, ele próprio busca apoio para tentar estancar a redução no número de cristãos, sobretudo católicos, na chamada Terra Santa. O tema da perseguição e migração de fieis tem estado presente em seus últimos discursos, desde a reunião que o Papa Bento XVI convocou em outubro.
Apesar das preocupações de quem comandou a festa, aqueles que participaram dela, assistindo como turistas ou peregrinos, pareceram não se importar: “Foi tudo incrível. Meu primeiro Natal em Belém e eu pude entrar na gruta e tocar o lugar em que Cristo nasceu e sentir todo esse ar mágico, ouvindo os sinos e os escoteiros com suas gaitas de fole”, declarou a visitante paulistana Alice de Cerqueira. Ela, como todos, pode comemorar muito bem guardada, sob a vigilância ostensiva de soldados da ANP encapuzados e armados com fuzis.