No Brasil, milhões de pessoas ainda buscam a plena inclusão na sociedade: elas têm dificuldades para se locomover nas ruas, para fazer compras, para usar o transporte público. E ainda enfrentam o preconceito. Mais de 17 milhões de brasileiros têm o que o IBGE classifica como deficiência severa, ou seja, se enquadram nas opções "tem grande dificuldade" e "não consegue de modo algum" das deficiências visual, auditiva, motora e mental.
Essa multidão de pessoas que corresponde mais ou menos às populações do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina somadas, e que, para muitos especialistas, pode ser ainda maior, enfrenta uma batalha diária. Seja por motivos práticos como a falta de calçadas adequadas para cadeirantes, seja por motivos mais sutis, mas não menos sérios, como a falta de respeito.
A educadora social Juliana Duarte, portadora de ataxia de Friedreich, uma doença neurodegenerativa, necessita de uma cadeira de rodas para se locomover. Para ela, que mora no Recife, a maior dificuldade enfrentada pelas pessoas com deficiência é a falta de acessibilidade, não só das vias públicas, como também nos estabelecimentos comerciais. "É importante não somente a promoção da acessibilidade física, mas também a melhoria dos transportes públicos e conscientização da população no sentido de garantir o respeito a alguns benefícios concedidos a nós. Ao contrário do que muitos fazem, não estacionamos em vagas reservadas porque queremos, nem utilizamos o banheiro acessível por luxo. É porque precisamos, mesmo", disse Juliana em entrevista à Deutsche Welle.
A falta de acessibilidade motivou a elaboração de um protesto em vídeo elaborado por Juliana e alguns amigos. "A ideia de gravar o vídeo e fazer uma denúncia pública foi fomentada por diversas cenas de desrespeito, que vivencio cotidianamente. Amigos que presenciam essas cenas e compartilham da minha angústia diante delas me ajudaram na realização desse projeto", contou. No vídeo disponibilizado na plataforma YouTube com o título ‘A praça é para quem?’, Juliana aparece tentando usar uma famosa praça do Recife, mas não consegue porque o espaço é ocupado por carros de clientes de um estabelecimento comercial. "A intenção era obter alguma resposta da iniciativa pública para reverter aquela situação, porém não imaginávamos que o vídeo teria uma repercussão tão grande", relata Juliana.
Com a ajuda das redes sociais, a denúncia mostrada no vídeo acabou chegando às autoridades locais, que prontamente apresentaram uma solução. "Avaliamos de forma positiva o rápido posicionamento da prefeitura, espero que a reforma definitiva da praça que passará a atender aos requisitos de acessibilidade ocorra dentro do prazo. Ela está prevista para começar no final deste mês", comemorou Juliana.
Em outra parte do país, Rafael Henrique Pereira, morador de São Paulo, contou à Deutsche Welle que ficou paraplégico após ser atingido por um carro em 2005. Para conseguir chegar aonde quer, ele precisa da ajuda do pai. "Até tem meio de transporte público onde eu moro, mas o ponto fica longe da minha casa, é muita subida", disse Rafael, que pretende tirar a carteira de motorista em breve.
Viver sem limite
Assim como Juliana e Rafael, os outros milhões de pessoas que possuem algum tipo de deficiência no Brasil sofrem com problemas como as cidades não adaptadas. Como promessa de melhoria, o governo brasileiro lançou na quinta-feira o programa Viver sem Limite – Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
O secretário nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Antônio José Ferreira, disse durante o lançamento que o governo mudou a maneira de encarar as pessoas com deficiência. Segundo ele, o governo "sai da lógica do benefício assistencial e passa para a lógica de garantia de direitos". Ferreira disse que o Viver sem Limite é o primeiro passo para colocar as pessoas com deficiência em condição de equiparação de oportunidades com os demais.
O plano inclui ações em quatro eixos: educação, saúde, inclusão social e acessibilidade. As metas deverão ser cumpridas por 15 órgãos do governo federal até 2014, com previsão orçamentária de R$ 7,6 bilhões. O eixo acessibilidade receberá o montante mais robusto de investimento: R$ 4,1 bilhões. A previsão é que o programa Minha Casa, Minha Vida, um dos principais projetos da gestão da presidente Dilma Rousseff, tenha todas as casas adaptáveis.
Essa parte do Plano também prevê a criação de cinco centros de formação de treinadores e instrutores de cães-guias, um para cada região do País. Essa é considerada pelo governo uma ação importante, já que atualmente só existem dois instrutores qualificados em todo o Brasil.
Na área da saúde, o foco será a ampliação de ações de prevenção às deficiências, criação de um sistema nacional para monitoramento e busca ativa da triagem neonatal, com previsão de R$ 1,4 bilhão em investimentos. Na área de inclusão social, serão criados centros de referência que devem oferecer apoio para as pessoas com deficiência em situação de risco, como extrema pobreza, abandono e isolamento social. Nessa área serão investidos R$ 72,2 milhões.
Educação inclusiva
Além da inclusão das pessoas com deficiência física, o Brasil também enfrenta desafios na implementação de um modelo de educação que atenda pessoas com deficiência mental. Atualmente está em vigor a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, aprovada pelo Ministério da Educação em 2008. De acordo com as diretrizes da política, a educação especial é definida como uma modalidade de ensino que inclui todos os níveis da formação, com atendimento educacional especializado e nas turmas comuns do ensino regular. Formação de gestores e professores e elaboração de materiais didáticos especiais são ações previstas na Política.
O plano Viver sem Limites prevê ações que complementam as já existentes, como implantação ou atualização de novas salas de recursos multifuncionais e a oferta de até 150 mil vagas para pessoas com deficiência em cursos federais de formação profissional e tecnológica. Mas nem todos acreditam na eficiência do modelo adotado atualmente pelo governo brasileiro. A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) defende que a inclusão deve ser gradativa e diferenciada para casos específicos.
Sandra Maria Costa, procuradora jurídica da Federação Nacional das Apaes, disse à Deutsche Welle que a rede discorda do modelo adotado atualmente pelo Ministério da Educação. "O ministério defende uma inclusão radical para todas as pessoas com deficiência e essa inclusão só se dá no sistema público regular de ensino. Nós discordamos desse posicionamento", afirmou Sandra.
O que a Apae defende, segundo ela, é que essa inclusão aconteça para aqueles que tenham condições de acompanhá-la, observando os casos mais graves. No caso de deficiência intelectual múltipla, a inadequação do sistema fica mais evidente, na avaliação de Sandra. Para ela, a ideia é ter um sistema educacional que seja composto por escola regular inclusiva e escolas especiais para o público que precisa de períodos mais intensos e contínuos.