O Ministério da Justiça (MJ) tem trabalhado numa minuta de lei que visa “aperfeiçoar” o Projeto 84/99, de autoria do Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), sobre crimes na internet. No original, o projeto visa mudar o Código Penal, criando 13 novos delitos, todos relacionados com o meio digital. Contudo, um tema, em especial, tem gerado polêmica e dividido opiniões no texto do MJ.
Pensemos na hipótese de que toda e qualquer pessoa que desejasse usar a via pública tivesse obrigaçao de ter estampado, em suas vestimentas, seu nome completo e seu número de R.G. Se criança, os dados dos pais ou responsáveis. A intenção é facilitar (ou precisar) a identificação do indivíduo, no caso de cometimento de algum crime. Para ir à padaria, à igreja, ao banco ou, simplismente, para ficar “de bobeira” na rua, você teria que ter grafado, na camisa ou short, seus caracteres de identificação. Veja-se sendo identificado, entrando num motel, numa boate, numa igreja, numa empresa… Não se trata da natureza do local, mas da sensação de se estar permanentemente vigiado.
Agora, transfira a situaçao das linhas anteriores, para outro meio. Troque as expressões “via pública” e “na rua” por “internet” e “rede de computador”. Imagine que para ter acesso a qualquer site, você, compulsoriamente, tivesse de ser identificado com algum tipo de dado oficial. E que seu rastro digital ficasse registrado num banco de dados. Pense na troca de e-mails entre usuários sendo desvelada. A privacidade sendo destruída pela identificaçao imediata: “Ah! Ele acessa esse tipo de site!”. Decreta-se o fim do anonimato da rede, uma de suas mais encantadoras características.
Assim como a via pública, para o cidadão comum, é apenas a trilha para se chegar à padaria, e para o altruísta, o caminho até a entidade carente, ela é o acesso ao banco ou à joalheiria para o criminoso, por exemplo. Semelhantemente, a internet é apenas o meio para os bons ou maus atos.
Aos autores dos primeiros, em bem maior número que os últimos, parece-nos não ser justo cercear-lhes a privacidade, direito constitucional, compelindo-os a “mostrarem a cara” em tudo o que fazem. O potencial dano não está em indentificar o indivíduo. Ele reside no desrespeito à faculdade de, esse mesmo indivíduo querendo e, sendo-lhe facultado, não o ser.
Imaginemos também se, na primeira hipótese levantada, alguem fosse à rua usando a camisa de outrem e praticasse um crime. Ou se alguém, apossando-se dos dados de acesso, começasse a usar tais informações como meio de chantagem ou de bisbilhotagem. Acredito que, de igual forma e em pouco tempo, os hackers estarão, incontroladamente, usando dados oficiais alheios para o cometimento de suas falcatruas. Se hoje eles agem usando informações pessoais para o crime (como senhas bancárias, por exemplo), avançarão, usando os dados dos usuários para imputarem os crimes a pessoas inocentes. Nas ruas, ao menos, a identificação visual ratifica a feita por dados oficiais. Na teoria, a uma face corresponde um número de CPF. E na internet? Quão dificultoso será provar que não foi você quem usou seus dados no acesso criminoso.
Abraçamos o projeto de lei quando ele torna puníveis condutas irregulares que vem sendo, volumosamente, praticadas pela web. Dá-nos a impressão de que o sistema jurídico está adequando-se à realidade social. Mas, o olhamos com uma dúzia de “pulgas atrás da orelha” quando pretende fazer da rede digital um ambiente de permanente vigília, policialesco, que extirpa a privacidade do internauta.