O grupo ambientalista Greenpeace foi vítima de um ato de terrorismo real do governo francês em 1985, quando teve um de seus navios, que protestava contra testes nucleares, afundado por bomba, com a morte de uma pessoa. O "revide" veio agora.
Em um relatório divulgado hoje, o grupo está aterrorizando os franceses com uma catástrofe futura: se continuar o atual aquecimento global, a França poderá deixar de produzir vinhos de qualidade no final do século, com a migração da melhor área de produção de uvas vinícolas para mais de 1.000 km ao norte.
"Essas mudanças põem em risco o "pedigree" de produção de vinhos da França", diz o relatório. "Uma cultura que levou séculos para ser construída corre o risco de desaparecer completamente", prossegue. Levaria consigo não só um patrimônio cultural da humanidade como também uma indústria de 9 bilhões anuais.
Algumas cepas, como a pinot noir, podem estar no limite da adaptabilidade nas zonas atualmente plantadas e seriam forçadas a migrar.
O estudo exagera um tanto, como se nota pela análise das próprias fontes citadas nele. Não há dúvida de que o aquecimento vai afetar a produção de vinho. Mas, em alguns casos, isso pode até ser para melhor. "Entretanto, [o aquecimento] trará problemas sérios para regiões que já estão produzindo os vinhos de melhor qualidade, como a Borgonha."
O conceito chave, no caso francês, é o de "terroir", um terreno produtivo com uma associação bem específica de fatores biológicos, físicos e humanos que vão desde a cepa de uva, a topografia, o tipo de solo e a temperatura até a pluviosidade, além de técnicas de cultivo tradicionais. Às vezes o local ideal de produção de um vinho francês "não é maior que uma parcela de terra", diz a ONG.
A mudança de um dos fatores, especialmente um dos mais importantes, a temperatura, certamente afeta a qualidade do vinho. Resta saber como, o que também pode variar de acordo com o "terroir".
O verão de 2003 é um bom exemplo, quando houve queda da produção de vinhos tintos na Borgonha de perto de 37%.
"O caso excepcional de 2003, com uma temperatura de verão mais elevada que a normal de 3ºC ou 4ºC (o mais quente desde 1370), e uma seca marcada a partir de junho, mostrou felizmente, no entanto, os limites de um enfoque empírico dos efeitos de uma mudança climática", escreveu o pesquisador Bernard Seguin, do Instituto Nacional da Pesquisa Agronômica, de Avignon.
O verão quente não resultou na "catástrofe total" que a mera análise dos números indicaria, diz ele. Ironicamente, o resultado da estiagem de 2003 foi até bom para alguns vinhos.
"Um efeito paradoxal deve ser mencionado: fortes calores estivais podem simultaneamente trazer uma baixa da quantidade de uvas produzidas, como em 2003, mas produzir uvas de melhor qualidade (taxa de açúcares), que permitirão produzir vinhos de maior qualidade e, geralmente, vinhos que poderão ser valorizados com preços mais altos", escreveram as pesquisadoras Marie-Claude Pichery e Françoise Bourdon, do Laboratório de Economia e Gestão da Universidade da Borgonha.
"Vários estudos mostraram a existência de uma relação positiva, na França, na Itália ou na Alemanha entre a temperatura e o preço dos vinhos", afirmam.