O megatraficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía apresentou uma proposta heterodoxa à Justiça: ele se dispôs a entregar US$ 35 milhões, que estariam escondidos no Brasil, em troca de um rol de benefícios que vão da anulação de sua pena à transferência de sua mulher, que está presa em Campo Grande (MS), para um outro presídio. O valor corresponde a R$ 60,7 milhões.
Se você acha que o colombiano está tentando comprar a sua absolvição com dinheiro do narcotráfico, saiba que sua interpretação pode estar correta moralmente, mas especialistas em crimes financeiros defendem que esse tipo de delito seja punido com penas financeiras.
Abadía é acusado de lavagem de dinheiro e nesse tipo de crime não é raro a Justiça aceitar acordos com réus –a delação premiada. A negociação está prevista na lei de lavagem de dinheiro, de 1998. O artigo 5º diz que o juiz pode reduzir ou deixar de aplicar a pena se o acusado "colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime".
A lei também estabelece multas. O doleiro Helio Laniado, por exemplo, fez acordo pelo qual aceitou entregar os empresários para os quais fazia remessas ilegais e concordou em pagar cerca de R$ 3 milhões.
É a primeira vez, porém, que um acusado apresenta uma proposta de reparação financeira –a regra é o juiz estabelecer a multa. Outra questão é que Abadía não é um mero criminoso financeiro. Apontado pelo DEA (a agência antidrogas dos EUA) como um dos maiores traficantes do mundo, dono de uma fortuna estimada pelos americanos em mais de US$ 1 bilhão, ele é acusado de ter ordenado a morte de 300 pessoas na Colômbia e 15 nos EUA.
No Brasil, porém, não há provas de que Abadía tenha traficado nem ordenado mortes. É essa questão que o juiz federal Fausto Martin de Sanctis terá de decidir: alguém acusado de homicídios em escala industrial em outro país pode usufruir dos benefícios de um criminoso financeiro no Brasil?
O traficante quer ser extraditado para os EUA porque acha que pode até ser libertado com as informações e o dinheiro que tem para entregar.
Abadía apresentou formalmente a proposta ao superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Jaber Saad. A negociação é mantida em sigilo pela PF, pelo Ministério Público Federal e pela Justiça.
Desde que Abadía foi preso, em agosto, os policiais dizem ter certeza de que ele tinha mais dinheiro no Brasil do que havia declarado ter trazido da Colômbia –US$ 9 milhões. A comemoração por ter prendido um dos maiores traficantes do mundo foi seguida por um constrangimento: a PF não conseguiu localizar um centavo além dos cerca de R$ 4 milhões que Abadía apontou que estavam escondidos em Campinas.
A PF usou até um equipamento de raio X para radiografar as paredes da casa em que ele vivia. A busca nas paredes não é capricho. Abadía enterrou US$ 80 milhões em buracos na Colômbia.