Popular e coletivo: quando o talento acaba com a indigência

Cláudia Galvão/Alagoas24horasGerônimo, o Baixinho do Triângulo, em atuação nos ônibus da capital

Gerônimo, o Baixinho do Triângulo, em atuação nos ônibus da capital

Gerônimo José da Silva, 36 anos, pernambucano de Casa Amarela, analfabeto. De longe, só mais um pobre chamado José. De perto, um artista popular nato, que busca espaço e reconhecimento de uma parada de ônibus a outra da capital alagoana. Seu nome pode não ser conhecido, mas sua voz e suas composições têm se propagado cada vez mais entre os usuários do transporte coletivo de Maceió.

Suas músicas carregam o Nordeste no ritmo. Irreverentes, sensuais, ácidas, ou poemas de amor com grandes doses de criatividade. Gerônimo, ou Baixinho do Triângulo, como é conhecido, sonha em gravar um CD e ser conhecido pelo grande público. O pernambucano perdeu as contas do número de apresentações que faz por dia nos ônibus e se surpreende com o fato de sua música estar se disseminando pela internet, nos toques de celular e na mídia.

Sua composição mais conhecida “O gato devorador com a gata devoradora” tem como tema a paixão animal. Não há como não se divertir ouvindo trechos como “vou te lamber todinha meu amor, vou te lamber todinha. Eu quero ser seu gato e você a minha gatinha”, entre uma imitação e outra dos gatos no cio; ou algo como “Pegue o telefone, chame a Samu!”.

A equipe do Alagoas24Horas foi ao encontro de Gerônimo na Cidade de Lona, no Conjunto Eustáquio Gomes, onde mora, para conhecer um pouco do seu trabalho e acabou pegando carona numa viagem sem destino certo. “Eu desço de um ônibus, já procuro outro e por aí sigo fazendo minha arte para sobreviver”, explicou, antes de partirmos no Eustáquio Gomes/Centro.

Baixinho conta que a preparação para suas apresentações é simples. “Não é qualquer ônibus que dá pra pegar. Prefiro os maiores, com três portas por que chacoalham menos, fazem menos barulho e eu não forço tanto a voz, além do que fico na porta do meio e não atrapalho a passagem. O som ritmado das músicas logo contagia todo o ônibus, inclusive o cobrador, que acompanha no batuque.

A apresentação termina com um pequeno histórico do seu trabalho e um pedido de colaboração.

Batalha

Gerônimo, que canta desde os sete anos nos ônibus e metrôs de Recife, está em Maceió há cerca de um ano. Veio apenas com a carteira profissional e o CPF em busca de uma vida melhor. Apesar de viver como nômade, de barraco em barraco, sozinho, driblando a miséria, ele afirma que encontrou em Maceió oportunidade.

“Recife é mais desenvolvido, mas em Maceió eu consegui coisas que a vida inteira nunca consegui: oportunidade. Aqui eu vivo melhor e o que ganho dá para viver”, disse Gerônimo. Ele ganha de R$ 10 a R$ 30 trabalhando o dia inteiro, todos os dias da semana.

Analfabeto, ele conta que freqüentou a escola dois anos, entretanto, não chegou a aprender a ler e escrever. O mais surpreendente é que mesmo sem o domínio da escrita, compôs centenas de canções que guarda apenas na memória. “Sei todas elas, se tiver que cantar todas, eu canto. Inclusive, teve uma que alguém roubou em Recife e quando menos espero tinha sido gravada. Chamava-se ‘Meu Bem me Carregue’ e como não tinha direitos autorais, não pude fazer nada”.

Recentemente, um amigo se propôs a levá-lo ao programa do humorista Tom Cavalcante, em São Paulo, mas a falta de documentação adiou a viagem. A possibilidade de ir para um programa de TV renova as esperanças do artista. “Eu até cheguei a gravar, recentemente, um CD com 12 músicas na Rádio Palmares, mas é amador. O que eu queria era poder gravar um CD de verdade, com qualidade, com alguns músicos me acompanhando, aí daria para divulgar nas rádios”, comentou entusiasmado.

“Pessoal, este é um pouco do trabalho que faço para ganhar a vida. Um pouco da minha arte, é a minha história. Por isso, gostaria de pedir a colaboração de vocês para um artista que só está tentando um lugar nesse universo maravilhoso que se chama planeta terra”, finaliza.

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