A Procuradoria-Geral da República está finalizando uma relação com mais de 50 nomes que serão denunciados por envolvimento no esquema de corrupção montado em torno de obras públicas realizadas pela Gautama, empreiteira de Zuleido Veras, desvendado pela Operação Navalha, em cinco Estados e no Distrito Federal.
A lista da Procuradoria é elaborada com base nas investigações e laudos da Polícia Federal e entre os acusados estão três governadores, um senador e um ex-governador, além de executivos de quatro ministérios. Na documentação remetida pela PF à Procuradoria estão CDs com o conteúdo de escutas telefônicas, fotografias e documentos recolhidos nos escritórios da empreiteira.
Na última semana, ISTOÉ teve acesso a parte dessa documentação. Os 13 diagramas montados pela Polícia Federal confirmam a participação no esquema da Gautama de autoridades que já haviam sido citadas, como o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau e os governadores Jackson Lago (PDT), do Maranhão, e Wellington Dias (PT), do Piauí, bem como apresentam novos personagens a uma trama que elevou o preço de obras públicas em até 416%. Entre eles está o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB).
ALAGOAS
A investigação da Polícia Federal em Alagoas produziu um verdadeiro filme da corrupção. Nesse filme, as imagens surgem a partir de fotos digitais feitas pelos policiais e o som é procedente das escutas telefônicas.
Um dos três diagramas da quadrilha no Estado mostra como Zuleido Veras levou para Maceió R$ 150 mil que teriam sido entregues ao governador Teotônio Vilela Filho.
Os policiais fotografaram um funcionário da Gautama tirando o dinheiro no caixa de uma agência bancária, acompanharam Zuleido viajando para Maceió com o dinheiro em uma pasta e presenciaram a entrega da pasta à assessoria direta do governador. A entrega do dinheiro foi feita em 23 de março do ano passado e o assessor que recebeu a pasta é Enéas de Alencastro Neto. O encontro se deu em uma casa de fachada amarela na Rua Albino Magalhães, em Maceió. Ali, está instalado um telefone em nome do governador.
Nas conversas telefônicas ocorridas dias antes do encontro, Zuleido diz o seguinte: “O governo é de Teo.” E arremata: “E Teo está chamando Enéas para lá.” Além de Alencastro, a PF relaciona como integrantes do esquema o secretário de Infra-Estrutura, Adeilson Teixeira Bezerra, o diretor de Obras, José Crispim Vieira, e o subsecretário de Infra- Estrutura, Denisson de Luna Tenório. “Não tenho nada a ver com a Operação Navalha”, diz o governador Teotônio Vilela. “Estou tranqüilo.”
De acordo com os relatórios da Polícia Federal, a Gautama distribuía dinheiro a autoridades estaduais sempre que ocorria a liberação de verbas para alguma obra. Em Alagoas, a empreiteira é responsável pela construção de barragem no rio Pratagy, obra realizada com recursos do Ministério da Integração Nacional, no valor de R$ 77 milhões.
Em 20 de abril do ano passado, uma escuta telefônica mostra o secretário Bezerra pedindo diretamente a Zuleido o pagamento de garotas de programa para comemorar a liberação de R$ 5 milhões para a construtora. Zuleido repassou a tarefa para seu diretor financeiro, Gil Jacó, o mesmo que em sua agenda escreveu:
“120.000 – MINISTRO – BRASÍLIA”. Como ISTOÉ revelou em sua última edição, seria, segundo a PF, uma propina para o ex-ministro Silas Rondeau em troca da liberação de dinheiro para o Programa Luz Para Todos no Piauí. Nas escutas em Alagoas, Zuleido, em tom de sarcasmo, diz à sua funcionária Maria de Fátima Palmeira que não existem problemas envolvendo a Gautama no Tribunal de Contas da União. Maria de Fátima responde com uma sonora gargalhada. Em outra conversa com Maria de Fátima, Zuleido diz: “Eu não sou ganancioso não, sou só ambicioso.”
SERGIPE
Em Sergipe, a PF concluiu que Zuleido entregou em 2006, “por diversas vezes”, dinheiro a João Alves Neto, filho do então governador João Alves Filho, e ao ex-secretário da Casa Civil Flávio Conceição de Oliveira Neto.
O diagrama indica que em julho de 2006 João Alves Neto teve encontro com o próprio Zuleido para tratar sobre pagamentos que beneficiariam a Gautama em projetos envolvendo a construção de uma adutora no São Francisco. Em um telefonema, Flávio Conceição promete liberar “600” da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) para Zuleido.
Em outro quadro, há referência de “propina de R$ 100 mil a Flávio”. O diagrama da PF diz que João Alves Neto primeiro recebeu R$ 100 mil e depois mais R$ 330 mil. Segundo a PF, Flávio Conceição teria repassado R$ 50 mil para o exdeputado Ivan Paixão. Uma das provas citadas pela PF é, novamente, a agenda de Jacó. Na agenda aparecem referências a Flávio Conceição. Ao lado de F.C. está a cifra “200”. Aparece ainda a inscrição “Deso”, ao lado de “500”.
MARANHÃO
No Maranhão, as liberações de dinheiro para a Gautama foram feitas, de acordo com o relatório da Polícia Federal, com base em medições falsas de obras públicas. Os laudos do Instituto Nacional de Criminalística, que estão anexados aos diagramas eletrônicos da PF, mostram que algumas obras construídas por Zuleido no Estado foram superfaturadas em até 416%.
É o caso da ponte sobre o rio Pericumã, que nem sequer foi construída. Só foram feitas obras de desmatamento e terraplanagem. No Rio Santa Cruz, Zuleido construiu a ponte, mas superfaturou o item escavação em 978% e ainda usou isopor para tapar buracos entre as grandes placas de concreto, que deveriam ser vedadas com material isolante especial, tipo ‘jeene’. O contrato de Zuleido para tocar obras no Maranhão foi de R$ 143 milhões.
O governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), é incluído pela PF como um dos membros do esquema que desviou recursos públicos em favor da Gautama, em troca de propinas. No diagrama da PF, junto com o governador estão seus sobrinhos Alexandre Maia Lago e Francisco Paula Lima Júnior. A PF monitorou os sobrinhos de Lago recebendo R$ 240 mil de Zuleido em Brasília. Em um dos diagramas do Maranhão, a PF relata literalmente: “Pagamento de propina a Alexandre, Paulo e Jackson Lago, correspondente a 8% da liberação de R$ 2,9 milhões para a Gautama em março do ano passado”.
Como antecipou ISTOÉ em sua edição número 1961, a PF recolheu anotações com Zuleido que descrevem a distribuição do dinheiro para “Chefe Maior”, agora identificado nos relatórios de inteligência como o governador Jackson Lago. Em abril do ano passado, segundo a PF, mais “propina para Alexandre e Jackson”, no valor de R$ 40 mil, referentes aos R$ 492 mil liberados em nova medição de obra. “O governador não afiançou o que os sobrinhos andaram fazendo”, diz Zeca Pinheiro, assessor do governador.
Sobre as atividades da Gautama no Maranhão, a PF produziu dois diagramas. Um de 2007, que envolve o governador, e outro de 2006, que compromete o ex-governador José Reinaldo Tavares (PSB). Nas escutas feitas pela PF, Zuleido já fazia menção ao Citroën de R$ 110,3 mil que a quadrilha teria dado ao governador.
Os agentes da PF fotografaram o Citroën na vaga destinada a Tavares no prédio que ele mora, em Brasília, e levantaram todos os documentos sobre a aquisição do veículo. Segundo a PF, o carro está associado ao contrato do Programa de Perenização de Travessias no Maranhão. Nos telefonemas, Zuleido comenta sobre o Citroën dado ao governador duas semanas após a liberação irregular de dinheiro de medição de obras no Estado para a Gautama.
BAHIA
Coordenador da campanha presidencial de Geraldo Alckmin em 2006, o prefeito de Camaçari (BA), Luiz Carlos Caetano, eleito numa dobradinha do PT com o PSDB, de acordo com a Polícia Federal, recebeu benesses de Zuleido para liberar dinheiro para a Gautama. Trata-se de um contrato de R$ 11,5 milhões, repassados pelo Ministério das Cidades, para urbanização de assentamentos precários no Vale do rio Camaçari. A novidade no diagrama entregue à Procuradoria da República é a inclusão do nome do secretário-executivo do Ministério das Cidades, Rodrigo Figueiredo, segundo homem na hierarquia da Pasta no esquema de Zuleido.
Segundo a PF, o “direcionamento” do dinheiro foi possível graças à influência do lobista da Gautama, Flávio Luiz Candelot, junto ao Ministério e ao superintendente Nacional de Produto de Repasses da CEF, Flávio José Pin. A CEF em Salvador recusou o plano de trabalho da Gautama para o projeto em Camaçari, mas o plano foi refeito e Candelot avisou que “resolveria o problema no Ministério das Cidades”.
A PF grampeou o telefone do secretário-executivo numa conversa com Candelot. Em julho de 2006, eles comentam sobre documentos de obras em Camaçari (BA), Macapá (AM), São João do Meriti (RJ) e Manaus (AM). “Vou correr atrás”, promete Figueiredo. Candelot pergunta se Geddel Vieira Lima, atual ministro da Integração Nacional, já telefonou. O secretário responde que não. Candelot foi diretor do Departamento de Habitação da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Nas escutas telefônicas, os integrantes da quadrilha de Zuleido demonstram que conseguem ordens de serviço no governo do PT com data retroativa. Entre os mimos distribuídos por Zuleido à quadrilha estão passeios de barco e camarotes do Carnaval de Salvador.
PIAUÍ
Além do envolvimento do governador Wellington Dias, um relatório reservado da Coordenação-Geral de Auditoria da Área de Minas e Energia (Diene), órgão ligado à Controladoria Geral da União, mostra como Zuleido subcontratava mão-de-obra de comunidades pobres no interior do Piauí, para o programa Luz Para Todos. O programa não previa prestação de serviços pela comunidade beneficiada como contrapartida das obras. Mas as comunidades pobres eram convidadas a fazer os buracos para postes e o desmatamento. Zuleido subcontratou a LR Construtora, que ofereceu R$ 4 para cada buraco. Tinha buraco que demorava mais de dois dias para ser feito e então a LR posteriormente ofereceu R$ 10.
Mas a subcontratada de Zuleido recebia entre R$ 24,17 e R$ 139,82 por buraco escavado, dependendo do tipo de solo. Para os técnicos da Diene, foi uma iniciativa “criminosa” da contratada, no caso a Gautama. Quem faz este tipo de serviço no Nordeste são os agenciadores de mão-de-obra semiescrava, os “gatos”.
DISTRITO FEDERAL
A PF também elaborou um diagrama sobre os desvios de recursos da obra do rio Preto, em Brasília. A estrela principal do diagrama da quadrilha é o exdeputado distrital Pedro Passos (PMDB). Há um laudo mostrando que Passos realmente queimou documentos que poderiam comprometê-lo. Os documentos estariam associados com fraudes milionárias do Instituto Candango de Solidariedade.
Passos é acusado de receber propinas em troca de liberação de recursos para a Gautama, através de emendas parlamentares. Homem de confiança do ex-governador Joaquim Roriz (PMDB) na Assembléia, Passos renunciou ao mandato para não ser cassado, após ser constatado seu envolvimento com Zuleido.
Os depoimentos desmentem as versões apresentadas por Zuleido. Sua funcionária da Gautama, Maria de Fátima, justificou que as cobranças de dinheiro feitas por Passos nas escutas telefônicas se referiam a animais adquiridos pelo filho de Zuleido, em leilão. Mas a PF descobriu que as negociações de animais aconteceram após as datas das escutas. Outro que foi incluído na investigação da PF foi o senador Delcídio Amaral (PT). Na agenda do diretor financeiro da Gautama, Gil Jacó, foi encontrada referência ao pagamento de R$ 24 mil para aluguel de avião, em maio do ano passado. A Gautama, no entanto, não pagou a conta. Quem acabou pagando o avião foi o senador. “É um absurdo retomar um negócio desses”, diz Delcídio. “Quebrei meu sigilo mostrando que não tenho ligação com a Gautama.”