De Roma para a BBC Brasil
Uma atriz comediante italiana corre o risco de ser processada por ter mandado o papa Bento 16 "ir para o inferno" durante um discurso em um comício em Roma.
No evento, promovido em protesto contra recentes leis apresentadas pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi, Sabina Guzzanti disse que o papa iria para o inferno, onde seria recebido por "diabos homossexuais".
"Graças à lei Moratti (ex-ministra da educação, Letizia Moratti), daqui a 20 anos os professores serão escolhidos pelo Vaticano. Mas daqui a 20 anos, Ratzinger vai estar onde deveria estar, no inferno, atormentado por dois diabos homossexuais superativos e não passivos", esbravejou Guzzanti.
O procurador Giovani Ferrara, do tribunal de Roma, pediu que o Ministério da Justiça autorize o início do processo contra ela. Para Ferrara, Guzzanti ofendeu o Pontífice "usando palavras vulgares que teriam superado o limite da sátira".
O procurador disse que a comediante poderá ser acusada de violar o Concordato, um conjunto de leis previstas no Código Penal que igualam o pontífice ao presidente da República.
Sacro e inviolável
Um dos artigos da lei estabelece que a ofensa ao papa, "pessoa sacra e inviolável", pode ser punida da mesma forma que uma ofensa ao presidente da República.
Se condenada, a atriz poderá pegar de um a cinco anos de prisão.
O ministro da Justiça ainda não se manifestou sobre o caso.
O Concordato, ou Pacto Lateranense, foi assinado em 1929 por Benito Mussolini e o cardeal secretário de Estado vaticano da época, Pietro Gasparri.
Grupos católicos e expoentes da igreja haviam manifestado "profundo pesar pelas palavras ofensivas" de Guzzanti logo após o comício.
Polêmica
A ação que o procurador pretende mover reacendeu as polêmicas.
Paolo Guzzanti, pai da comediante e deputado conservador do Partido da Liberdade, de Berlusconi, disse que a sociedade italiana está "na era medieval" e pediu ironicamente que a filha seja julgada pela "justiça divina".
"Façamos com que ela se submeta ao juízo de Deus, que caminhe sobre brasas ardentes e encerremos o caso judiciário", declarou ele aos jornais italianos.
Para o ex-magistrado Antonio Di Pietro, Sabina Guzzanti não ofendeu ninguém, apenas "exerceu o direito de manifestar livremente seu pensamento".
Na avaliação do Prêmio Nobel Dario Fo, ator e autor teatral, usar uma norma do Pacto Lateranense, "uma lei fascista, é andar para trás no tempo".
"Seria preciso, então, condenar até Dante, o maior poeta italiano", dosse Fo.
"Ele também mandou um papa (Bonifácio 8°) ao inferno, dizendo que ele iria para um buraco no meio de um grande fogo", disse ele em entrevista ao jornal La Reppublica.
De acordo com o deputado socialista Vittorio Craxi, "processar a sátira é um jeito de se aproximar ao totalitarismo".
O padre jesuíta Bartolomeo Sorge disse que a atriz deve ser perdoada, mas não quer se envolver nos asuntos ligados à Justiça.
"As ofensas podem acontecer e os cristãos devem perdoar. Tenho creteza que o papa já a perdoou. Mas o curso da Justiça e a obra dos magistrados é outra coisa. Quando acham que houve violção de uma lei, não cabe a mim julgar", disse o padre a um jornal italiano.