Um simples papel, mas de uma importância que só pôde ser traduzida nas lágrimas dos remanescentes de quilombolas do povoado Tabacaria, em Palmeira dos Índios, distante 130 quilômetros de Maceió. O papel em questão, uma cópia da portaria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconhecendo a comunidade como território de remanescentes de quilombola, o primeiro do Estado. Nesta quinta-feira foi a vez de a própria comunidade receber oficialmente a notícia.
A portaria foi publicada no dia 1º de outubro, e a partir dela, o governo reconhece o território e dá início ao processo de desapropriação da área de 410 hectares onde as 120 famílias estão acampadas. “Até as famílias obterem a posse definitiva da terra, é um processo que ainda deve levar de oito a 10 meses, mas agora elas já podem ter a segurança de que poderão trabalhar na propriedade delas”, explica o engenheiro agrônomo, Fábio Leite, perito federal agrário do Incra em Alagoas.
Essa conquista que significa o resultado da luta de uma vida inteira, como no caso de dona Vicentina Maria da Conceição. Do alto dos seus 90 anos de idade, o grande motivo de felicidade para ela, no entanto, é saber que vai ter o que deixar para os filhos. “Eu tô esperando a terra passar para eles, para eles trabalharem, porque só se vive pelo trabalho. Eu sei que Nosso Senhor me leva logo, mas os meus filhos vão ter onde trabalhar”, diz.
Atualmente, a área onde se encontram os agricultores pertence a três médios produtores, além de duas áreas menores, que pertencem a dois pequenos proprietários. Estudos realizados pela equipe do Incra, no entanto, comprovaram que o povoado Tabacaria está inserido num local que fazia parte do quilombo dos Palmares. “A gente não tinha terra pra trabalhar, o dono dizia pra gente arrancar toco e capim pra ganhar cinco conto (sic)”, explica Gerson Paulino dos Santos, 65 anos e 14 netos.
Etapas
Segundo o diretor do departamento de ordenamento fundiário, Gabriel Arruda, que representou o superintendente Gilberto Coutinho, na cerimônia de hoje, a partir de agora começa uma nova etapa. “Daqui a alguns meses, vão cair as cercas e não vai mais haver esses mocambos onde vocês estão morando agora. Serão casas de alvenaria, vai haver escola e toda a infra-estrutura para um vida digna”, disse aos quilombolas, antes da entrega simbólica da portaria.
Já a antropóloga Mônica Lepri, que coordenou os trabalhos no povoado Tabacaria durante os dois anos do processo de reconhecimento, disse que o imóvel não pode ser alienado de forma alguma, por se tratar de área de remanescentes de quilombolas. “Ainda vai levar um tempo até a terra está de direito nas mãos de vocês, mas vocês devem aproveitar esse tempo para discutir de que forma querem retomar a comunidade”, explicou Mônica aos remanescentes de quilombolas.
Festejos
E como prova da alegria que esse reconhecimento do governo federal trouxe para o povoado, os moradores decidiram retribuir. Prepararam um farto banquete para a equipe do Incra e da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que também realiza um trabalho na comunidade. Tudo, claro, fruto da terra que eles já cultivam. E, além disso, fizeram questão de mostrar que sabem o que a palavra “quilombola” agora representa para eles.
Numa apresentação de improviso, eles cantaram e dançaram a felicidade da conquista da terra, de olho num futuro menos sofrido. “Ô que vida sofrida é a vida de escravidão. Me dói no coração, quando eu lembro do passado”, dizia uma das letras entoada a plenos pulmões pelos agricultores.