Durante 14 anos, ela deu expediente em câmara de vereadores, num gabinete de vice-prefeita e no Congresso. No último quadriênio, trovejou sua voz estridente nas CPIs que roeram a imagem do governo Lula. A partir de fevereiro, ela troca o plenário do Senado e o salário de R$ 12.800 – noves fora os benefícios indiretos – por uma sala de aula e um contracheque de escassos R$ 720.
“Com certeza, é uma mudança de padrão. Mas isso é normal”, resigna-se Heloisa Helena (PSOL-AL), cujo mandato de senadora expira em 30 de janeiro. “Claro que as finanças contam. Sei que terei de restringir o telefone. Talvez compre menos livros. Mas vou fazer feira, comer e viver normalmente”.
Ao trocar a probabilidade de uma reeleição para o Senado pela certeza de uma derrota presidencial, Heloísa impôs a si mesma uma volta ao passado. Já procurou Ana Dória, reitora da Universidade Federal de Alagoas. Acertou com ela o retorno à velha função de professora. Recomeça em fevereiro. Dará aulas de epidemiologia, como fazia 14 anos atrás.
A política privou a senadora de escalar os degraus remuneratórios que sua função pública oferece. “Minha carreira foi paralisada. Perdi toda a possibilidade de ascensão funcional”, diz ela. Neste seu retorno, teria direito a vencimentos de R$ 2.100. Mas, para manter-se na presidência do PSOL, optou por reduzir à metade a carga horária. Vai lecionar 20 horas semanais. Daí o salário miúdo de R$ 720.
Reunida na semana passada, a Executiva do PSOL dispôs-se a pagar um salário à sua presidente. Cogita remunerá-la em R$ 1.380. Um valor que, somado aos R$ 720 da professora, igualaria os R$ 2.100 que amealharia se desse à universidade dedicação exclusiva.
Descontada a parte do fisco, a quase ex-senadora terá R$ 1.800 para encher a geladeira. “Não é nada de outro mundo”, diz ela. “Cargo eletivo é transitório. Sempre me preparei para o retorno à universidade. O que me dá tranqüilidade e felicidade são as coisas menores. Se você é feliz tendo um iate, sem roubar, tudo bem. Mas também é possível ser feliz com uma jangada. Ou com a simples contemplação de uma lagoa ou do mar num fim de tarde. Quem enriquece em política é ladrão. Nunca vivi de roubalheira ou de aplicações em bolsa.”
Não se sente responsável pela ressurreição de Fernando Collor? “Não é responsabilidade minha. Em Alagoas, o Collor teve mais votos – 400 mil— do que eu – 200 mil. Quando decidi concorrer à presidência, ele não era candidato. Entrou na disputa 15 dias antes da eleição. E venceu Ronaldo Lessa, que foi prefeito de Maceió e governador por duas vezes. Se eu disputasse o Senado, teria dividido o eleitorado de esquerda com Ronaldo. E não sei se teria sido reeleita. Talvez o Collor se elegesse até com mais facilidade, gastando menos dinheirio.”
Terceira colocada na disputa ao Planalto, Heloísa Helena ainda não sabe o que será de seu futuro político. Prefeitura de Maceió, em 2008? “Se eu ganhasse, não admitiria sair um ano e meio depois para concorrer a outro cargo. Estamos vendo se não é melhor esperar 2010, quando poderia disputar o governo do Estado, o Congresso ou a presidência da República. Por enquanto, vou me dedicar ao PSOL e dar às minhas aulas. Serão ótimas aulas. Posso ter sido péssima senadora, mas sou uma professora competente. Não suporto embromação no serviço público.”
Folha Online