O simples fato de pararmos para ler este artigo demonstra que é possível ocuparmos o nosso tempo com algo produtivo, a reflexão por exemplo. Isto porque a sociedade contemporânea tornou-se escrava incondicional do trabalho, o que faz com que todos não tenham tempo sequer para pensar na miserável condição humana.
A postura admirável de outrora, de não ter tempo para mais nada, e viver ocupado demais, fez com que as pessoas vivessem de forma medíocre, e isso provocou uma diminuição progressiva da qualidade de vida. Nesse ritmo frenético, as conseqüências menos alarmantes vão do situacional estresse ao irreversível enfarto.
Basicamente, o trabalho tem duas características: a satisfação das necessidades e o sentido de utilidade que ele proporciona. Mas, não acredito que alguém possa estar satisfeito com o simples fato de acordar todos os dias, ir ao trabalho de manhã, sair quando já é noite e repousar… para, no dia seguinte, ouvir novamente o despertador interromper-lhe o sono.
A origem deste comportamento estaria, historicamente, no período medieval, no momento em que a família, a igreja e a escola passaram a educar os indivíduos exclusivamente para o trabalho, e não para o tempo livre. O alerta, amplamente ameaçador, viria séculos mais tarde, na fábula de La Fontaine, a cigarra e a formiga (desnecessário dizer quem era a vilã da história). La Fontaine apenas colocou em sua narrativa todo o discurso de uma época o qual influenciaria inclusive a sociedade pós-industrial em que vivemos.
O sociólogo italiano Domenico de Masi – autor de diversos e revolucionários livros, entre eles os best sellers “Desenvolvimento sem trabalho”, “Ócio criativo” e “O futuro do trabalho” – é um dos mais polêmicos e inovadores pensadores do nosso tempo. Segundo De Masi, é possível e necessário conciliar o trabalho com o estudo e o lazer. Graças aos recursos tecnológicos como a televisão, o rádio, o telefone celular, o jornal, o fax, o correio eletrônico e a internet, hoje tornaram-se quase indiferentes o lugar e o tempo nos quais é feita grande parte de nossas atividades. O problema é que nós incorporamos a idéia de que o trabalho é um dever e o ócio é um pecado.
Naturalmente, o ócio é uma arte. Quase todos sabem trabalhar. Pouquíssimos são os que sabem aproveitar o tempo livre de forma criativa. Assim, é imprescindível encontrarmos meios que nos permitam aproveitar sistematicamente o nosso dia-a-dia. Enquanto é tempo. Só assim será possível satisfazer outras necessidades como a amizade, a introspecção, a prática esportiva, a arte, o amor, a espiritualidade, a diversão e a convivência saudável entre as pessoas. Afinal, não deve ser nada agradável chegar à melhor idade com a irremediável compunção do protagonista na canção de Sérgio Britto: “Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se pôr”.