Indignação, ceticismo, acusações. Tudo isso é muito pouco – e tem resultado nulo – diante dos sucessivos escândalos que envolvem desvio de dinheiro público, corrupção e manipulação indevida do Orçamento. É hora de trocar os discursos inflamados por uma agenda positiva de combate à relação promíscua entre poder público e empresas privadas, que vem abrindo um rombo de bilhões e bilhões de reais, a cada ano, nos cofres nacionais.
Os cálculos são da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça: a corrupção e o superfaturamento em compras e obras públicas causam prejuízos anuais ao Brasil de até R$ 40 bilhões, apenas R$ 4 bilhões a menos que o orçamento do Ministério da Saúde em 2006. Um terço das compras públicas, segundo a mesma Secretaria, é alvo de cartéis que geram sobrepreço de 25% a 40% em relação aos valores de mercado.
Para fechar os ralos por onde escoa o dinheiro do contribuinte, uma das medidas urgentes é a atualização da Lei de Licitações e Contratos. O primeiro passo já foi dado pela Câmara e pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que aprovaram mudanças na lei de forma a ampliar e tornar mais claras as regras de uso de pregão eletrônico nas licitações públicas. O resultado será maior transparência e mais economia nos gastos públicos.
Tal transparência, no entanto, é impossível sem uma mudança radical na elaboração, tramitação e execução da lei orçamentária. O Orçamento, hoje, meramente autorizativo, é uma em peça de ficção e dá margem às mais diversas manipulações políticas. A falta de clareza na elaboração da lei que sinaliza a intenção de investimentos, que define a previsão de receitas do Estado e os gastos com o dinheiro do contribuinte é outro pecado imperdoável, assim como a concentração de poderes na Comissão Mista de Orçamento e as inúmeras brechas para a corrupção abertas pelo atual sistema de emendas parlamentares.
O Senado já fez sua parte, aprovando o Orçamento impositivo e o projeto que muda completamente o rito de tramitação da lei orçamentária. A expectativa, agora, é a votação na Câmara dos Deputados.
Diante da sangria do dinheiro público, o Ministério da Justiça decidiu colocar em funcionamento a Coordenação Geral de Análise de Infrações em Compras Públicas, que trabalhará em parceria com vários órgãos federais . Mas ainda é pouco.
Apertar o cerco a quem infringe a lei é, obviamente, fundamental. Mas também não basta a independência do Ministério Público, a ação efetiva da Controladoria-Geral da União e a agilidade da Polícia Federal. O que o brasileiro cobra, e com absoluta razão, é o fim da impunidade. E, para isso, é preciso dar prioridade ao julgamento de processos relativos a casos de corrupção. A proposta, defendida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, já vem encontrando apoio crescente no Congresso Nacional.
A cartada decisiva, no entanto, é a reforma política. A polêmica em torno de pontos como o voto em lista não pode mais adiar a mudança de um sistema político-eleitoral falido, que permite a existência de legendas de aluguel e dá margem a uma relação promíscua entre partidos, empresários e poder público. Sem o financiamento público de campanha, estaremos sempre sujeitos ao fantasma do caixa dois.
São propostas para um debate muito mais amplo. Acabar com a corrupção é uma briga que precisa ser comprada por todos nós.