Há oito anos o Estado de Alagoas vivenciou um dos mais fortes momentos de sua recente história política. Na capital, Maceió, as ruas da cidade amanheceram tomadas por homens do Exército, que vestidos para o combate – de cara pintada e trajes de guerra – ocupavam a região central, próximo a Assembléia Legislativa.
Na praça Dom Pedro II, o cerco ao prédio da ALE, sinalizava o clima de expectativas, enquanto durasse a espera popular pelo julgamento do relatório da Comissão Especial, que votaria os dois pedidos de impeachment do governador Divaldo Suruagy. O que se seguiu depois, são cenas certamente eternizadas na memória de muitos alagoanos.
Deputados acuados na Casa de Tavares Bastos, servidores em desespero provocado por meses de salários atrasados, policiais civis e militares formando uma massa humana de manifestantes. Havia concentrações por toda parte, o confronto armado parecia inevitável. De repente a invasão da praça, tiros e confusão.
Acompanhando a tudo do palácio, pelo noticiário local, o governador decide enviar à Assembléia um ofício solicitando licença do cargo por tempo indeterminado. Na praça, o povo comemora, de mãos dadas, cantando o hino nacional. Dentro da Assembléia, deputados votam, em reunião secreta, o afastamento do governador por seis meses. Impeachement abortado, Suruagy sai da cena política, atacado por suas bases de legitimação. Deixa o poder, encerrando um ciclo.
Rupturas e permanências
Autora do primeiro trabalho publicado sobre o episódio que levou à renúncia do então governador, Divaldo Suruagy, livro entitulado: Rupturas e Permanências em Alagoas – o 17 de julho em questão –, a historiadora Leda Almeida admite que faria algumas ressalvas a respeito do tema, se escrevesse o trabalho nos dias de hoje.
“Se escrevesse o mesmo livro neste momento, substituiria as expressões direita e esquerda”, diz a historiadora numa referência às forças políticas naquele 17 de julho representadas pelo governo Suruagy e Mano, representando a direita, e a esquerda capitaneada por Heloísa Helena, Ronaldo Lessa, Kátia Born e lideranças de movimentos populares.
“Hoje eu diria que, não apenas em Alagoas, como em todo Brasil, temos apenas governo e oposição. Dizendo isso, concluo que não avançamos muito”, completa a autora, que, durante construção do livro-tese de mestrado, utilizou as nomenclaturas direita e esquerda no sentido usado por Chasin: “direita” como o conjunto de propósitos e práticas políticas ligadas a lógica do capital, e “esquerda”, como as outras que são próprias à lógica do trabalho.
Como descreveu Leda Almeida em sua tese, o ex-governador Divaldo Suruagy – personalidade que por mais de três décadas, esteve em posição hegemônica no Estado –, foi a expressão máxima de um movimento motivado, em sua origem, por um objetivo eminentemente pragmático – a atualização das folhas de pagamento do funcionalismo público estadual.
Conforme transcreve no capítulo “Abrem-se as cortinas”, primeira parte de seu livro, a historiadora observa: Embora se tenha constatado o arrefecimento desse movimento após o licenciamento de Suruagy, naquela mesma data, essa insatisfação popular volta a manifestar-se no ano seguinte nas eleições de 4 de outubro de 1998, em que foram eleitos Ronaldo Lessa (PSB) para o Governo do Estado e Heloísa Helena (PT) para o Senado Federal. Esse fato é relevante quando se leva em conta que Manoel Gomes de Barros – que sucedeu Suruagy, após o dia 17 de julho –, e Guilherme Palmeira – amigo-irmão de Suruagy, segundo palavras deste – eram candidatos ao Governo do Estado e ao Senado, respectivamente.
“Cabe, aqui, ressaltar o caráter nitidamente contraditório das eleições de 1998: ao tempo em que se elegem para o Governo do Estado e para o Senado políticos historicamente vinculados à esquerda, mantêm-se quase inalterados os perfis ideológicos das Câmaras Estadual e Federal”, dizia a autora.
Um novo olhar sobre a mesma cena
Levada a confrontar-se com as afirmações feitas sobre o 17 de julho, Leda Almeida, refaz o mesmo percurso com um olhar diferente sobre a velha cena. “Hoje eu diria que a esperança daquele momento, quando a hegemonia não era tão grande e havia a pretensão de um campo de disputa, aquele sentimento de que existisse uma ruptura, isto nunca se cumpriu”, avalia.
Para a historiadora, a tão esperada ruptura ansiada pelos movimentos sociais com o 17 de julho, não ocorreu de fato.
“Antes tínhamos uma direita que mandava e não havia quem discordasse, com o novo governo acreditava-se na existência de uma disputa entre as forças mais conservadoras de direita e a esquerda. Entretanto, o que vemos é uma Assembléia inerte às discussões dos reais interesses da população”, critica.
“O PSB fez um esforço enorme para recuperar a imagem de Alagoas, valorizou ícones de nossa cultura popular, hoje há mais transparência e concursos públicos, e esse discurso, devemos com certeza ao novo grupo que assumiu o poder, por isso é injusto nivelar todos numa mesma condição”, reconhece a autora.
“Por outro lado, fazendo um balanço sobre os avanços a partir do 17 de julho, percebemos que ainda há muitas distorções, problemas estruturais e carências nas áreas de Educação e Saúde, aguardando serem corrigidas”, conclui. Como ela própria havia descrito em seu livro, publicado há seis anos: “(…) O término do ciclo político representado por Suruagy não significa o surgimento de um outro ciclo capaz de negar o que o antecedeu. Afinal, parafraseando RobertoDaMata, Alagoas não é para principiantes”.