Na preleção, o técnico explicou a tática que garantiria ao time a vitória no jogo prestes a começar. Dominada a bola, aquele faria isto, este faria aquilo, outro cuidaria do lançamento e o artilheiro consumaria o gol. Terminada a minuciosa exposição, ouviu-se a voz de Garrincha: "Nós já combinamos isso tudo com os inimigos?" Boa pergunta, confirmou o silêncio no vestiário.
Garrincha passou a vida usando a imagem de ingênuo para camuflar a esperteza caipira. Nosso Chaplin dos gramados sabia que os estrategistas brasileiros – seja qual for a área de atuação – costumam conceber lances e manobras que beirariam a perfeição se não embutissem um pecado original: ignorar obstáculos que mesmo cegos enxergam.
O técnico de Garrincha pensou em quase tudo. Só esqueceu que haveria em campo 11 adversários escalados para deter a ofensiva irretocável. Figurões da República planejam bandalheiras (e contam mentiras espantosas) sem nada combinar com a polícia e os nativos honestos. Montam planos espetaculares sem considerar a eventual reação do inimigo.
Já habituado a essa espécie tão brasileira, o país foi surpreendido pela aparição, às margens do Pântano do Planalto, de um estrategista que se dispensa de combinar até com amigos a execução de planos muito audaciosos. Trata-se de Paulo Okamoto, presidente do Sebrae. Velho amigo de Lula, resolveu liberar o Grande Companheiro de esclarecer a obscura história do empréstimo feito pelo PT, em 2002, ao então presidente de honra do partido.
Sem que lhe perguntassem algo a respeito do caso, Okamoto apresentou-se como o pagador da dívida de R$ 29.436. Liqüidara o débito com dinheiro do próprio bolso, garantiu. Não apresentou comprovantes. Não se lembrou sequer do local do pagamento. Só ofereceu a própria palavra. E ressaltou que o gesto fora inspirado pelo sentimento da gratidão.
Até se ligar a Lula e ao PT, Okamoto, paulista de Itatiba, fora dono de bar em rodoviária, jornaleiro, vendedor de cerâmica e operário da Volkswagen. O último emprego levou-o à direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. No cargo de tesoureiro, mostrou que sabia lidar com cifras. Eleito presidente do PT paulista, acumulou o posto com funções ainda mais promissoras: virou tesoureiro particular de Lula e família.
A vitória em 2002 conduziu Okamoto aos salões da Corte: tornou-se presidente do Sebrae, entidade que representa 15 milhões de microempresários, emprega 4.500 funcionários e movimenta um orçamento anual de R$ 900 milhões. Graças a Lula, o homem que se considera "um expert em economia formado pela universidade da vida" conheceu os encantos do Planalto. Nada mais natural que poupasse o amigo de complicações na planície. Bonito, isso. Se fosse verdade.
Continua sem desfecho plausível uma história confusa desde o prólogo. Desconfiados de que a dívida de Lula fora bancada pelo onipresente Marcos Valério, oposicionistas da CPI dos Correios pediram esclarecimentos a Delúbio Soares. O depoente recusou-se a comentar o assunto. Quando Okamoto entrou em ação, o PT quebrou o voto de silêncio para endossar a farsa forjada pelo bom companheiro.
A fantasia de Okamoto foi soterrada por documentos e extratos do Banco do Brasil segundo os quais a dívida foi quitada por alguém chamado Luiz Inácio Lula da Silva. Como o presidente sempre negou a existência de contas a pagar ao PT, deve-se examinar a possível existência de um generoso homônimo do chefe de governo. Se o presidente pagou o que não devia, é verdade o que anda berrando em palanques improvisados: ninguém é mais ético que Lula.