Vinícius de Moraes tem uma obra irretocável, tanto na música quanto na poesia. Citar alguma aqui seria cometer injustiça com as demais. Nessas horas, é melhor calar. Mas se eu me calar, esta crônica irá terminar no começo, o que seria o fim. Para que isso não aconteça, vou divagar sobre algo que considero uma das preciosidades da carreira do Poetinha.
Não se trata de música, de livro ou qualquer obra consistente que tenha lançado, mas apenas uma frase, dita assim, num desses lampejos criativos comuns na carreira dos gênios. “O uísque é o cão engarrafado”, disse. E basta ler isso que tomo um porre de sabedoria. Com bebida envelhecida 70 anos, no mínimo. Daquelas que não dá ressaca.
Lembro da frase sempre que freqüento restaurante que conta com Clube do Uísque. Fico olhando as garrafas soberanas nas prateleiras –cada uma com o nome do dono cravado no rótulo, como se quisesse gritar para o mundo “esse é meu e ninguém tasca”– e imagino a história que elas encerram. Quantas conversas não foram construídas ao redor de cada uma daquelas garrafas, quantas dores não foram curadas ou quantos amores não foram cantados.
Para mim, Clube do Uísque é uma negação dos Alcoólicos Anônimos. Estão todos lá, descaradamente explícitos. Em alguns casos, o nome aparece tão escancarado que dificulta qualquer possibilidade de o bebedor entrar para o AA. O que, aliás, tenho certeza que não é problema, porque todos, se estão ali revelados para o mundo, preferem mais BB.
Detesto uísque. Em se tratando de bebidas, prefiro seguir a opinião de um amigo, que costuma valorizar as qualidades da cerveja, alegando ser a bebida menos preconceituosa de todas. Argumenta que nenhuma outra é capaz de unir, no mesmo espaço, a Loura Gelada e o Feijão Preto da Feijoada, numa verdadeira farra interracial.
O fato de não apreciar o destilado não me proíbe de admirar a legião de bebedores que se forma em torno dele. Até porque é preciso ter muita coragem para deixar o nome exposto em diversos bares da cidade. Conheço uma amiga que acabou um relacionamento de anos depois que flagrou o marido exposto numa estante de bar, desnudo, sendo contemplado por toda a espécie de freqüentadores – e o que é pior: desejado por muitos.
O homem chegara a jurar que não bebia mais. Nem menos.
Ao se deparar com seu nome – com sobrenome e se houvesse espaço no rótulo, provavelmente CPF e tipo sanguíneo – ela quase vai baixar no hospital. Não o fez porque o garçom tratou de lhe servir uma dose de uísque a título de acalmar os nervos. Para não dar prejuízo ao estabelecimento, lançou mão da garrafa do marido.
Antes, porém, tratou de xingar o pobre de tudo quanto pôde, inclusive de cachorro engarrafado, numa pífia alusão a Vinícius.
Hoje eles não dividem mais o mesmo teto. Porém, depois que tomaram gosto pela bebida, os dois passam a maior parte do tempo juntinhos. Numa estante de um bar qualquer, numa cumplicidadae falsa. Mas feita de legítimo scotch.