Há exatos 30 anos, dois jovens vindos do interior ingressavam na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) – eles foram aprovados em Direito; a Área III (Ciências Humanas) da Ufal funcionava no Campus Tamandaré, no Pontal da Barra.
Renan Calheiros e Aldo Rebelo fizeram o primeiro ano em salas separadas, mas um e outro acabaram líder da turma – o Aldo por um ato debochado, durante uma aula de Sociologia do professor Salomão de Barros Lima; e Renan por agir nos bastidores para se eleger presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Na sala vizinha a turma do Renan era formada pelo Manoel Lins Pinheiro, conterrâneo de Murici e, na época, o único que tinha carro – um volkswagen, táxi, com o qual se mantinha em Maceió; Régis Cavalcante, o atual desembargador Humberto Martins, entre outros, todos universitário numa época em que o Decreto-lei 477 vigorava e punia estudante e professor que participasse de movimento político.
No organograma da Reitoria da Ufal, e por extensão a todas as universidades públicas, havia a DI (Diretoria de Informação), um apêndice do Serviço Nacional de Informação (SNI).
A turma do Aldo era formada pelos que faziam a alegria da sala; o próprio Aldo deixou todos boquiabertos com a ousadia ao escolher o patrono da equipe. O professor Salomão gostava de dividir a turma em equipes, cada uma com o patrono, que se escolhia entre personalidades e autoridades nacionais e internacionais.
Os nomes escolhidos eram insuspeitos para a repressão; nunca passou pela cabeça de ninguém homenagear um líder comunista – na do Aldo passou e ele fez. Quando o professor Salomão perguntou o nome do patrono da equipe, o Aldo respondeu impostando a voz: Mão-tse-tung.
Após a pronúncia do nome do líder comunista, que na época (1975) influenciava os movimentos revolucionários marxistas, deu-se o silêncio; o professor Salomão engasgou-se.
Para disfarçar acendeu um cigarro, foi à varanda e voltou para tirar a dúvida se ouvira mal. E repetiu a pergunta, para ouvir a mesma resposta: “Equipe Mao-tse-tung”. Salomão foi obrigado a registrar o nome, mas, depois da aula, tentou convencer a mudá-lo; não adiantou porque o Aldo se manteve firme na escolha.
Em 1975 a luta estudantil de esquerda havia sofrido grande golpe, com as prisões dos universitários Denis Agra e Denisson Menezes, estudantes de Medicina da Ufal, Fernandes Costa, Jefersson, Norton Sarmento, Flávio, entre outros. Na Ufal, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) estava entregue aos Holanda – o presidente do DCE na época era Chico Holanda, atual vereador.
Mas, o movimento político que emergiu com o ingresso dessa turma de 1975 foi buscar alternativas; como eram “feras”, a opção foi apoiar um nome já conhecido nos meios acadêmicos – o escolhido foi o Flávio Gomes de Barros, que cursava Direito; hoje advogado e jornalista.
Chico Holanda, que cursava Engenharia, se reelegeu, mas foi seu último mandato; foi substituído por Renan Calheiros, eleito com o apoio da militância do PCdoB, que atuava na clandestinidade. No final da década de 1979 o clima político em Alagoas apontava para profundas modificações; Renan, lançado na política pelo PCdoB, foi se filiar ao PMDB quando os comunistas voltaram a ser reconhecidos; os ventos da política lhe levaram também para o lado do ex-presidente Fernando Collor de Mello, até a rasteira na disputa pelo governo do Estado em 1990, e do ex-governador Divaldo Suruagy – contra os quais havia se projetado politicamente e recebido o mandato de deputado estadual.
Aldo Rebelo permaneceu no PCdoB. Fez parte da turma da Tribuna de Alagoas, a redação heterogênea e revolucionária, na qual se juntavam várias linhas ideológicas: comunistas pró-União Soviética, pró-Albânia (PCdoB), a turma do Proálcool, da Libelu, e os que não se ligavam à nada – já viviam ligados. Foi para São Paulo, destacou-se na luta estudantil e, disciplinado, galgou postos de destaques no partido; em menos de cinco anos saiu de um quarto na Residência Universitária para ocupar uma cadeira de vereador por São Paulo. Está no quarto mandato de deputado federal, sem perder o jeito de tranqüilo que os adversários identificam como lerdeza.
Estão agora, na presidência do Legislativo federal, dois alagoanos que começaram a fazer política em 1975, dentro da Ufal; que enfrentaram as mesmas dificuldades para se estabelecerem em Maceió; que foram aprovados no vestibular de Direito, mas no lugar dos juristas, adotaram os filósofos. Renan direto de Murici para a presidência do Senado; Aldo, de Viçosa para a presidência da Câmara Federal – os dois mantém a tradição: tem sempre um alagoano – pelo menos um – tocando na banda da República.