“Está secando o Velho Chico. Está mirrando, está morrendo” – assim Carlos Drummond de Andrade descreveu em poema o quadro desolador do maior rio brasileiro, com 2,8 mil quilômetros de extensão.
O poeta deixou registrado o seu protesto numa de suas últimas manifestações, antes desencarnar; ainda que radicado no Rio de Janeiro, a condição de mineiro fê-lo devedor eterno do São Francisco e um observador preocupado com o futuro do rio, que terça-feira, 4, completa 504 anos de “descoberto” pelo homem branco.
O rio que nasce na Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas-MG, projeta-se no solo mineiro separando a Serra do Espinhaço e a Chapada Diamantina da Serra Geral de Goiás. Com 168 afluentes, dos quais 90 na margem esquerda, o São Francisco sofre duramente com o desmatamento das margens para fundação de pastos e obtenção de lenha para carvoarias – o carvão é insumo para a siderúrgica produzir o ferro gusa.
A mineração também contribuiu para a degradação; o Rio das Velhas, maior afluente do São Francisco, está contaminado com iodo e mercúrio.
REAÇÃO
Embora a nascente em Minas Gerais seja acanhada – um veio d´agua, apenas, antes de desaguar na Cascata Dantas – o Rio São Francisco ganha magnitude ainda em solo mineiro. Estão lá os três maiores afluentes: Rio das Velhas, com 1, 3 mil quilômetros de extensão; Paracatu, com 650 quilômetros e Verde Grande, com 792 quilômetros de extensão.
Minas e a Bahia, onde estão localizadas as duas lagoas intermediárias entre os Rios Tocantins e São Francisco – o primeiro despeja nas lagoas, que se ligam ao São Francisco.
Devido ao estado de degradação em que se encontra, a reação contrária ao projeto de transposição das águas do São Francisco para abastecer o chamado Nordeste Setentrional – sertões do Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e Pernambuco – ganha o apoio de diferentes segmentos da sociedade, inclusive os intelectuais – Carlos Drummond de Andrade deixou registrado o seu protesto.
O jornalista Anivaldo Miranda, que integra o Comitê de Bacias do São Francisco, é taxativo:
“O projeto de transposição do governo federal é uma aberração sem precedentes e os Estados mais prejudicados serão exatamente Alagoas e Sergipe, por ficarem na foz, no chamado baixo São Francisco, onde as conseqüências negativas serão mais dramáticas. Imagine que, hoje, a situação já é complicada com as alterações provocadas pelas barragens das hidrelétricas, que alteraram o habitat natural, impedindo a piracema, fenômeno que permite a procriação de peixes”, alertou.