O autismo foi descoberto há mais de 60 anos, mas ainda representa um grande desafio para estudiosos e pesquisadores. A psicóloga Maryse Suplino, especialista em Educação Especial, pelo Centro Ann Sullivan do Peru, tem experiência com mais de dez anos de trabalho com pessoas portadoras da síndrome. Em entrevista ao Alagoas 24 Horas, a psicóloga revela as características da síndrome, o novo tratamento e os desafios de quem trabalha com os autistas.
Na Jornada Regional de Autismo do Nordeste, que ocorre no auditório do Senai, Maryse Suplino lança seu livro – Currículo Funcional Natural – e, nesta tarde, faz uma palestra para profissionais, estudantes e parentes de autistas, que participam do encontro.
Em que baseia seu trabalho sobre pessoas com autismo?
Meu trabalho se baseia na pesquisa que fiz para o mestrado, porque eu sentia que me faltavam dados e informações para trabalhar com pessoas com o autismo. Então, eu comecei a buscar e tive o contato com a metodologia Funcional Natural, que foi criada por uma psicóloga americana e é aplicada, há mais de 20 anos, em um centro de tratamento no Peru.
Eu fui ao Peru e, há aproximadamente oito anos, faço palestras de capacitação e aperfeiçoamento. A metodologia é aplicada em um centro de tratamento no Rio de Janeiro, onde funciona um espaço para favorecer a pessoas com autismo, aprender mais sobre elas e tentar novas formas de melhor ajudá-las.
Como funciona a metodologia Funcional Natural?
A metodologia tem orientação da psicologia do comportamento e o próprio nome define, Funcional Natural. Funcional porque a gente entende que as habilidades que a pessoa precisa aprender devem ser habilidades funcionais, ou seja, que tenham utilidade para a vida. Se eles gastam uma energia incrível para aprender e nós para ensinar, então vale a pena ensinar coisas importantes, como ler ou escrever, fazer um lanche ou preparar uma comida. Mas, se aquela pessoa não tem condições, ela pode aprender outras coisas, por exemplo, eu recebo alunos que não chegaram a aprender a ler e a escrever, mas conseguiram escrever o nome e tiraram a carteira de identidade, isso é funcional.
E é natural porque a gente foge das situações mecânicas de ensino, então, se eu for ensinar um aluno a atravessar a rua, eu vou com ele para a rua. Se eu for ensiná-lo a fazer comida, vou com ele para a cozinha. A gente trabalha sempre procurando os contextos naturais para poder ensinar.
Quais as possibilidades e limitações de pessoas com autismo?
Para muitas pessoas, fica a idéia de que um autista nunca vai poder fazer nada sozinho e nós temos visto que não, nós temos alunos que aprenderam e estão aprendendo a fazer muitas coisas sozinhos, inclusive a atravessar a rua e andar na rua sozinho, independente, sem precisar de ninguém. Isso porque a gente entende que nós, eu não poderia atravessar sozinha se ninguém tivesse me ensinado, então é a mesma coisa com eles.
Todos têm a possibilidade de aprender e o máximo de cada um, é cada um que vai determinar. A gente não considera que o problema está na aprendizagem, mas sim no ensino. Se uma pessoa tem uma deficiência e ela não tem condição, é para aprender que ela está na educação especial, então nós é que precisamos descobrir o melhor caminho, a melhor forma, o melhor procedimento para ensinar. O problema nunca está no aluno, ele é nosso e essa é que é a diferença.
Quais as maiores dificuldades enfrentadas por quem tem a síndrome?
As maiores dificuldades deles estão dentro de três bases, que são linguagem, comportamento e interação social. Então, logicamente, é possível um aluno ter mais problemas de comportamento do que na linguagem e, de acordo com a necessidade dele, é que a gente vai atuar. Mas, o mais comum é a afetação no comportamento, em nível mais leve ou mais sério.
Qual a causa do autismo?
A etiologia do autismo ainda é uma interrogação. Mas existem vários fatores que estão ligados e a base está ligada à questão genética. Se formos fazer um histórico na família, sempre encontramos um problema psiquiátrico de um lado ou de outro, se não na geração dos pais, ele está na geração anterior.
Antes, pensavam que o autismo era devido a uma questão afetiva. A psicanálise explica que era um bebê que não foi aceito pela mãe, ela não o queria, traumatizou ou renegou o filho. Mas, hoje já se sabe que essa explicação é equivocada porque uma criança já é gerada e nasce com o autismo, o problema é que, às vezes, não se percebe logo e somente com dois ou três anos é que os pais notam a diferença na criança, mas ela já apresentava a síndrome desde que nasceu.
Qual o objetivo de todo o tratamento feito com os autistas?
Infelizmente, no Brasil, ainda não temos alunos com um nível de independência, a ponto de trabalhar, como eu já vi no Peru. São pessoas com autismo que não falam ou têm alguns problemas de comportamento, mas que, ainda assim foram estimuladas e trabalhadas de uma tal maneira, dentro dessa metodologia, e alcançaram um nível de independência com um emprego.
Então, essa é a nossa meta, o nosso sonho é preparar esses adolescentes e adultos para o trabalho. Alguns, realmente, terão que ter um apoio no trabalho, durante todo o tempo, mas há outros que podem se superar e seguir, sem ter ninguém acompanhando.
Eu acho que o ser humano mais almeja a independência, ter um nível de satisfação pessoal de fazer o que gosta, então, esse é o nosso sonho para eles, que, se ainda não se concretizou no Brasil, eu já tive oportunidade de ver em outras partes, e sei que é possível.