Em seu auge o Quilombo dos Palmares abrigou mais de 20 mil negros oriundos das fazendas vizinhas, abrangeu uma área de 350 Km² que hoje faz parte de dois estados. Organizados numa confederação de mocambos – agrupamentos de escravos fugidos – e liderados por um líder que marcaria a história brasileira: Zumbi; resistiu a 66 expedições militares tanto de holandeses quanto de portugueses por mais de 100 anos, de 1596 até seus últimos combatentes serem derrotados em 1725.
Eles viviam da caça, pesca e agricultura. A luta épica da liberdade protagonizada por africanos escravizados buscando resgatar sua realeza é sempre lembrada como um dos grandes marcos da história universal. O primeiro grito por liberdade nas Américas.
A TERRA
Hoje, ao subir a Serra da Barriga, em União dos Palmares, mais de 300 anos depois da passagem de Zumbi, sente-se a melancolia do abandono do sítio histórico andando lado a lado com a força da história, “Assim que coloquei os pés nesta terra senti uma força incrível, a força daquele povo guerreiro”, refletiu Maria da Silva que trabalha como empregada doméstica em Maceió. “Não conheço bem a história, mas sei que eles lutaram por liberdade e para isso não precisa de escola para entender”, reforçou.
A Serra da Barriga encontra-se tombada pelo Governo Federal como área de preservação ambiental, mas pouco se tem feito para a preservação do local que segue em clima de abandono. “Visitei a serra da barriga há dois anos atrás na época em que o presidente Lula veio para cá e me deslumbrei com a beleza da paisagem, hoje vim com um grupo de amigos e me decepcionei com o desleixo que encontrei tudo parece estar em ruínas”, desabafou a historiadora Lenir Soares, que visitava o local com um grupo de professores.
A estrada para o alto da serra convida apenas os mais aventureiros para enfrentá-la. Linhas irregulares de estrada calçada, aliada a largura insuficiente que em alguns trechos mal comportam um carro desafiam os turistas dispostos a conhecer suas paisagens. A estrutura para a vocação turística da Serra da Barriga encontra-se estagnada a espera de verbas e do cumprimento de promessas antigas feitas ao povo da região.
Da base ao topo encontra-se um grande número de famílias que estão em situação irregular, devido ao tombamento da serra como patrimônio histórico. Algumas destas famílias residem naquele sítio a mais de 50 anos sem ter o reconhecimento de que são descendentes dos quilombolas.
Os moradores resistem à idéia de abandonar a terra e já rejeitaram propostas de indenização feitas no passado. De acordo com representantes do Incra a questão não envolve diretamente o órgão, sendo da competência da Fundação Palmares, e só irá interferir no caso de recolocação destas famílias para outras terras.
Descendo a serra, a cerca de seis quilômetros do centro de União dos Palmares encontra-se o povoado de Muquém, formado por descendentes dos quilombolas que um dia dominaram a região, um povoado simples que em pouco difere de outras comunidades pobres encontradas aos montes no País.
Cercada por fazendas a comunidade luta para ter a posse de suas terras garantida. Ela já foi reconhecida como descendente dos quilombolas, mas a titulação da posse das terras esbarra em alguns problemas jurídicos. A terra deve ser de propriedade coletiva impedindo a venda ou arrendamento, sendo sempre passadas de pai para filho.
“O problema está no fato de que alguns moradores compraram terrenos dentro da região demarcada e terão que abrir mão da posse para que o processo seja concluído” esclarece Katiusca Mendes, asseguradora do Programa de Regularização Fundiária nos Territórios Quilombolas. A Associação dos Moradores de Muquém requisitou um intervalo para que a decisão sobre o fato fosse tomada internamente. Os cerca de 180 hectares que compreendem o povoado permanecem como uma ilha cercada de latifúndios por todos os lados.
A MULHER
Ao abrir a porta de sua casa a artesã Irinéia Nunes mostra com orgulho suas obras expostas em sua sala de estar transformada em estúdio. É no mesmo local que produz artesanato em argila que já concorreram a um prêmio oferecido pela Unesco tendo seu trabalho exposto no Rio de Janeiro e em outras cidades do País.
“Aprendi a esculpir com a minha mãe e ensinei ao meu marido”, revela Irinéia, falando sobre sua arte. “No começo produzia apenas utensílios domésticos, como panelas e jarros, que era o que a minha mãe fazia, com o tempo comecei a criar obras para decoração como abajures e estátuas”, disse.
O processo de elaboração dos objetos é feito de forma primitiva, à argila é retirada da terra própria do Muquém, umedecida e preparada para trabalho. Depois de passar pelas mãos dos artesãos e posta para secar a obra é colocada no forno para sua finalização.
No passado a madeira utilizada para queimar o barro era retirada de terras improdutivas nas imediações da colônia, que atualmente encontra-se em mãos de antigos trabalhadores rurais, obrigando os artistas a comprarem a madeira em fazendas vizinhas a um custo de aproximadamente R$ 600 por ano. As peças são vendidas pelos escultores a preços que variam de R$ 3 a R$ 70, podendo chegar ao triplo deste valor ao serem revendidas na capital.
A LUTA
Depois de lutarem por sua sobrevivência e liberdade os descendentes dos quilombos hoje lutam por melhores condições de vida e por sua identidade cultural. Dilemas que atingem toda a população negra brasileira.
Problemas que atingem a comunidade, como ausência de postos de saúde e de escolas acarreta em um alto índice de analfabetismo, doenças contagiosas e sexualmente transmissíveis. Moisés Santana coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) explicou que existe um projeto educativo que buscará desenvolver ações no campo de saúde conscientizando a população quilombola a respeito de doenças sexualmente transmissíveis especialmente a AIDS.
A discriminação ainda é uma realidade forte em Alagoas, a batalha dos quilombolas hoje acontece em outra frente, na luta contra o racismo e pela a inclusão social dos afro-descendentes. Os habitantes de Muquém sentem a força da história que carregam apesar de não conhecerem a história de modo formal, “Nos consideramos representantes diretos do povo de Zumbi e de sua história”, explicou Irinéia, entre lembranças de sua filha hoje morando no Rio de Janeiro e obras de arte inacabadas, “Seu exemplo inspira nosso povo a buscar uma vida melhor”, reforçou. Existem no Brasil 119 comunidades quilombolas oficialmente tituladas, nenhuma delas em Alagoas.