“O caso do deputado José Dirceu, em que pese os desencontros entre os parlamentares e os ministros do STF, não deve descambar para uma ‘crise institucional’, até porque o país ainda respira com dificuldade no esforço para emergir da crise política.”
O fragmento reproduzido acima, extraído de texto publicado no periódico “O Jornal”, é parte de uma análise sobre a situação política do deputado José Dirceu, que pode ser cassado hoje.
O que enseja o comentário gramatical é o uso da locução “em que pese” feito pelo articulista. Diga-se de passagem, muita gente tem dúvida quanto ao emprego dessa expressão. Em primeiro lugar, convém esclarecer o seu significado: “em que pese” quer dizer “ainda que”, “apesar de”, ou seja, a expressão tem valor concessivo. O termo “apesar” tem origem no verbo “pesar”, entendido no sentido de “afligir” ou “incomodar”.
Assim, ao dizer “em que pese” ou “em que pese a”, pretende-se afirmar que alguma coisa pesa (“custa”, “dói”, “incomoda”) a alguém. Compreendido o sentido da expressão, vamos à regência e à concordância.
A preposição “a” de “em que pese a” só aparece quando a expressão apresenta um complemento que indica pessoa. Assim: “em que pese a ele”, “em que pese aos filhos” etc. Note que, nesse caso (com o complemento de pessoa), a expressão é invariável (o verbo permanece no singular “pese”).
Se, entretanto, o termo que vier depois da expressão não for uma pessoa, mas aquilo que pesa, que custa ou que incomoda, não haverá preposição, pois esse termo será o sujeito do verbo “pesar” (e não seu complemento).
Ora, todos sabemos que o verbo concorda com o sujeito. Foi exatamente aí que o redator deslizou. Observe o trecho destacado: “em que pese (sic) os desencontros”. Os desencontros é que pesam. Assim, a correta construção é a seguinte: “em que pesem os desencontros”.
Em suma, a locução “em que pese” seguida de termo que exprima “aquilo que pesa” não admite preposição e apresenta forma verbal variável de acordo com o sujeito ("em que pesem os últimos acontecimentos”); seguida de complemento de pessoa, constrói-se com a preposição “a” e a forma verbal invariável (“em que pese a todos os eleitores”).
Veja, abaixo, o texto corrigido:
O caso do deputado José Dirceu, em que pesem os desencontros entre os parlamentares e os ministros do STF, não deve descambar para uma “crise institucional”, até porque o país ainda respira com dificuldade no esforço para emergir da crise política.