Nada me condói mais do que a morte de uma criança. Ao velho morto, ao jovem morto, ao bicho morto, meus pêsames, mas nada é mais constrangedor do que a morte na infância. É o possível não realizado, a volta dos que não foram. Uma ejaculação precoce do prazer da vida. Quando avisto um “anjinho” prestes a subir aos céus, sinto-me constrangido por estar vivo, acanhado por desfrutar de um direito que não lhe foi dado.
Falo não dos anjinhos lúdicos, de cabelos louros e encaracolados, de auréola de néon; mas dos miseráveis, pretos e desnutridos, sem aureola e sem pão. Daqueles que, pouco antes de voltar ao Pai, ilustram tão bem as matérias do Jornal Nacional. Fama instantânea, como suas vidas, fome integral, como suas mortes.
Espectador que sou, não tenho estômago nem alma pra suportar o drama. As notícias e os números das mortes dos que nem completaram um ano de fome angustiam-me. Quem os impediu? Tomara que tenha sido o destino. Ou isso ou terei que engolir Thomas Hobbes, "Homo homini lupus".
Penso, sofro, culpo, escrevo. Nada disso salva uma vida. Enquanto falo, crianças morrem; enquanto escrevo, crianças morrem; enquanto vivo, crianças morrem. Acabo esquecendo. Parece que somente os que os germinaram conseguem suportar seu definhamento. Justamente eles.
Como é bom nessas horas o vazio da barriga ter alcançado o cérebro. Como é bom não ter conhecido Marx, Nietzsche… Como é bom chorar pelo anjinho, pra não ter que se desesperar com o vazio deixado por Cícero, Fabiano, Tereza, Maria, Francisco, Joana. Acreditar que, no céu, seus pequenos famintos se fartarão no banquete do senhor, que pra seu filho a hora, enfim, chegou, que ele não morreu, Deus levou!