A moça cochichava a dois policiais em meio ao calçadão da Joaquim Távora cheio de ambulantes e transeuntes. Murmurava a respeito de tal suspeito que da esquina lhe observava. Tratava-se de um homem alto, forte, com traços de obesidade, de pele clara, rosto redondo e olhos ansiosos. Estava ali a premeditar qualquer coisa.
Os policiais comiam pastel num carrinho de ambulante e estrategicamente não encaravam o denunciado, porém, ouviam a moça atentamente. Entrementes, eu terminava de tomar minha água de coco neste estonteante calor de dezembro. Então resolvi entrar numa ótica, e quando saí, não vi mais o suspeito, a moça e os policiais. Em seguida entrei na relojoaria em que, quando menino, meu Pai ia fazer concerto no relógio.
Seu relógio suíço só ali era concertado com peças originais. O velho fazia questão de ter um bom relógio no pulso. Aproveitei para dá uma olhada num relógio de pêndulo; nunca despertei para adquirir um relógio de pêndulo suíço, porém, confesso que sempre admirei. O preço continua salgado, mas hoje em dia já existe até modelos em pilha bem mais em conta; e foi o que fiz: peguei um dourado com detalhes em brilhante.
Neste início de ano ouvirei o eletrônico badalo do pêndulo e, de sobra, uma caixinha de música que vem antes do badalar. Estou feliz porque o dinheiro rendeu na compra do meu relógio de parede, porque só há um modo de conservar o dinheiro: é gastando sempre menos do que se ganha.
Gosto de ir ao comércio aos sábados – há coisas que só se encontra e se ver no tradicional comércio. Ando descontraidamente olhando as coisas, esse hábito simples e insignificante me descontrai e me dá paz. Gosto também de visitar o mercado público, como fiz agora recentemente em São Paulo; acho que a alma de uma cidade está no seu mercado público. A preservação da tradição em meio à modernidade é uma coisa fascinante, mostra a força do costume e da cultura de um povo.
É como, por exemplo, o caso daquela velha relojoaria que há 40 anos já estava naquele local. Também certa barbearia deste mesmo tempo que ainda está no mesmo lugar, e o melhor, com os mesmos barbeiros. Por isso que há lugares e coisas que o tempo não passa. Passando pela porta vi o barbeiro meio triste, parece que o movimento anda meio fraco, e cortar um cabelo é uma pechincha. Mas a clientela tradicional segura o movimento e não a deixa fechar as portas.
Passei na banca de jornal da Praça Montepio – a melhor de Maceió; aquele jornaleiro de lá também é especial, não só pela sua antiguidade, mas, em especial, pela sua eficiência no atendimento – o homem conhece tudo da imprensa. Fico triste com aquelas mulheres que circulam por ali vendendo a carne. As pessoas passam, mas ninguém lhes olha, o povo sabe que a prostituição é das mais antigas profissões.
Quando subo os degraus do prédio da OAB, mergulho um pouco na história da nossa cultura jurídica. Lá um dia funcionou a antiga faculdade de direito de Alagoas, que por sinal, não freqüentei, mas, tive a oportunidade de participar das comemorações dos seus cinqüenta anos, que hoje já são mais de 70. Transformada na Casa do Advogado mantém-se em pé como um marco de nossa paisagem histórica.
A propósito da violência urbana, bons tempos de paz foram aqueles em que vi passar pela Rua do Comércio, sozinho, certo governador que deixava o Palácio em direção a barbearia da Praça D. Pedro II. Hoje em dia até o cidadão comum anda meio receoso pelo comércio. Aliás, sobre essa violência social há muitas teses: Barbosa Lima Sobrinho, por exemplo, acha que é a falta de Punição.
Já Anísio Teixeira diz que o problema da educação é, por excelência, o problema de ordem e de paz no País. Entre tantas teses sobre o assunto, é importante que sejamos otimistas para continuar caminhando. Eu neste começo de ano, particularmente, ouvirei como uma sinfonia a musiqueta e o badalo do meu relógio de pêndulo que me brindei; e isso eu sei que me trará paz, uma serena paz.