Os deputados do Conselho de Ética da Câmara passaram boa parte da primeira reunião administrativa de 2006 discutindo a convocação extraordinária do Congresso Nacional e a devolução dos dois salários pagos a cada parlamentar por conta dos trabalhos extras. O presidente do conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), reclamou de informações veiculadas pela imprensa segundo as quais os deputados não teriam dado andamento aos trabalhos no período extraordinário, que começou no dia 16 de dezembro.
"Em momento algum, paramos de trabalhar. O órgão que mais trabalhou no ano passado foi o Conselho de Ética, e vamos continuar assim", afirmou Izar. O conselho está analisando 11 processos de cassação de parlamentares citados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios por envolvimento com o esquema de corrupção operado pelo empresário Marcos Valério de Souza.
Os membros do conselho aprovaram requerimento do deputado Júlio Delgado (PPS-MG) para que o colegiado encaminhe ao presidente da Casa, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), solicitação para que o primeiro item da pauta da Câmara que começará a ser apreciada na próxima segunda-feira (16) seja o projeto de resolução que acaba com a convocação extraordinária. De autoria do deputado Raul Jungman (PPS-PE), o projeto também reduz para 45 dias o recesso parlamentar.
Na reunião, os parlamentares procuraram defender-se das acusações de que não estariam trabalhando durante a convocação. O argumento do presidente Ricardo Izar e de outros deputados é que, regimentalmente, os processos só podem ter andamento com a realização de sessões plenárias da Câmara. Nada impediria, no entanto, que fosse tomado o depoimento de testemunhas arroladas pelos deputados sob investigação desde o início da convocação extraordinária. Hoje, por exemplo, foi ouvido o advogado Paulo Goyaz, testemunha de defesa do deputado Pedro Corrêa (PP-PE).
"O Conselho de Ética virou a ‘Geni’ [da canção Geni e o Zepelin, de Chico Buarque. A farsa desta convocação extraordinária assombra e perambula os corredores da Câmara como se fosse uma mistura de zumbi com mula sem cabeça", disse o deputado Edmar Moreira (PFL-MG). Para ele, está na hora de "alguém assumir a paternidade da convocação". Ele lembrou que a convocação só pode ser feita pelo presidente da República ou pelos presidentes do Senado e da Câmara.
Sobre os avisos de desistência dos dois salários extras encaminhados, até o momento, à Secretaria-Geral da Câmara por 63 parlamentares, Moreira disse que "tem deputado que faz recibo de R$ 15 mil como doação, mas só entrega R$ 2 mil". Mais tarde, em entrevista coletiva, Moreira não citou os nomes dos deputados que estariam fraudando as doações do dinheiro da convocação extraordinária. "Eu falei em tese", explicou.
Moreira apresentou requerimento no Conselho de Ética para que o colegiado propusesse ao presidente Aldo Rebelo que, no primeiro dia de trabalho do plenário, fosse pedido a cada parlamentar, individualmente, que abrisse mão dos R$ 25 mil a que tem direito por causa da convocação extraordinária. A proposta não foi colocado em votação por causa da aprovação do requerimento de Júlio Delgado.
O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) considerou a discussão sobre quem abre e quem não abre mão dos dois salários "uma questão menor". Segundo ele, a aferição do espírito público de cada parlamentar, pelos eleitores, "não se dará com base nessa lista". Alencar disse que o Congresso vive um momento singular para acabar com a remuneração adicional dos parlamentares.
Ângela Guadagnin (PT-SP) defende o mesmo raciocínio: "O processo mais fácil para acabar com isso é mudar a lei", afirmou a deputada. Nelson Marquezelli (PTB-SP), entretanto, disse que não devolve, em hipótese alguma, o dinheiro da convocação. "Esta Casa, a cada dia que passa, fica mais submissa. Se 512 deputados devolvessem o dinheiro, eu não devolveria", afirmou. Marquezzeli informou que, desde o primeiro mandato, utiliza o dinheiro da convocação para comprar cadeiras de rodas e distribuir à pessoas carentes. O deputado está no quinto mandato.