Morte de babá de 11 anos alerta para riscos do trabalho infantil

Quando um casal propôs a Maria Benedita da Silva levar sua filha Marielma, de 11 anos, para morar com eles em Belém, ela vislumbrou a possibilidade de uma vida melhor para a menina.

Na cidade de Vigia, no litoral paraense, onde trabalha na lavoura, Maria Benedita tinha dificuldades para sustentar os quatro filhos. Em Belém, ela imaginava, a situação da filha seria diferente.

"Eles disseram que colocariam ela na escola em Belém. Prometeram roupa, calçado, tudo o que ela precisasse", disse à BBC Brasil.

Cerca de quatro meses depois, após ter trabalhado como babá para a família e sem ter freqüentado a escola nem um dia, Marielma morreu após uma sessão de espancamento.

O casal que empregava Marielma está preso, aguardando julgamento. Os dois se acusam mutuamente pelo assassinato, e o julgamento da patroa, Roberta Sandreli Rolim, por júri popular, está marcado para começar no dia 10 de agosto.

Crime bárbaro

Marielma era uma das cerca de 170 mil crianças e adolescentes de 5 a 15 anos que trabalham como empregados domésticos em todo o país, segundo as estimativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O trabalho doméstico nessa faixa etária é contra a lei.

O laudo médico realizado após a morte de Marielma, em novembro do ano passado, indicava que ela tinha três costelas quebradas, rins e pulmões perfurados, além de cortes e queimaduras por todo o corpo.

O exame também indicou a presença de sêmen no corpo da menina, indicando uma possível violência sexual.

Imediatamente após o crime, a patroa de Marielma, Roberta Sandreli Rolim, assumiu o crime, dizendo que a adolescente havia molestado sua filha de um ano. Os exames no bebê, porém, descartam a tese da patroa.

Roberta, posteriormente, mudou sua versão e passou a acusar o marido, Ronivaldo Guimarães Furtado, pelo crime. Ela disse ter assumido o espancamento, no primeiro momento, por lealdade ao marido e por medo de suas agressões.

"Ele disse que, se eu não assumisse o crime, ia fazer comigo a mesma coisa que fez com a Marielma, ou pior", disse Roberta à BBC Brasil na penitenciária feminina onde aguarda o julgamento, na periferia de Belém. "Ele disse que se eu falasse alguma coisa ele ia matar minha família."

Roberta diz ter visto o marido agredir Marielma em outras ocasiões, mas alega que nunca o denunciou por se sentir ameaçada. "Eu tinha medo dele, vivia a vida dele. O que ele falava eu tinha que fazer, porque eu também era agredida por ele", diz.

Armação

O advogado de Ronivaldo, Jânio Siqueira, contesta a versão de Roberta. "Isso tudo é uma grande armação para justificar a conduta dela, mas não convence", diz. "Foram três anos de convívio, como é que ela, se estivesse sofrendo maus-tratos, não disse nada para ninguém? Ficou no silêncio total e absoluto? Não dá para acreditar", afirma.

Segundo Siqueira, Ronivaldo chegou em casa no início da noite, no dia da morte de Marielma, e "se deparou com aquela cena, a Marielma estendida no chão, na cena trágica que teria levado à morte dela".

O advogado diz que insistirá na tese da inocência de seu cliente. "Ele nega enfaticamente, incisivamente, que tenha cometido esse gesto de violência contra a criança", afirma.

O promotor Paulo Godinho, responsável pelo caso, diz acreditar que ambos agiram em conjunto e são culpados pela morte de Marielma. "Não tenho nenhuma dúvida sobra a autoria do crime", diz.

Para ele, este é um caso "simbólico". "É um caso emblemático pelo modo como esse casal agiu, ao trazer a criança para Belém, maltratá-la e depois matá-la", disse.

Godinho considera que o desfecho do caso poderá ser importante para aumentar a conscientização da população. "Uma condenação vai trazer uma nova reflexão sobre trabalho infantil, eu diria até mundialmente", diz.

Pressão internacional

O caso despertou grande atenção de organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

Essas organizações, como o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa do Brasil) e a Andi (Agência Nacional pelos Direitos da Criança) apostam na condenação dos culpados pela morte de Marielma em sua luta no combate ao trabalho infantil.

"É impressionante que uma menina com a Marielma precisasse morrer para que houvesse uma conscientização", comenta a advogada Celina Hamoy, coordenadora da ONG Cedeca-Emaús (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente), de Belém, que acompanha o caso.

As organizações pressionam pela condenação dos acusados pela morte de Marielma e dizem que este seria o primeiro caso de punição em casos semelhantes.

Elas citam um caso parecido ocorrido em 1991 no interior do Maranhão, quando uma menina de 11 anos, que também trabalhava como babá, foi morta a tiros e pauladas por cinco homens da família da criança da qual ela cuidava.

A criança, de apenas 8 meses, morreu afogada acidentalmente quando estava acompanhada somente da babá pré-adolescente. Revoltados, os familiares a teriam matado.

Em seu depoimento, o pai do bebê confirmou ter participado do assassinato, alegando vingança. Os acusados, porém, acabaram absolvidos após dois julgamentos por júri popular.

Fonte: BBC

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