A delicadeza das bonecas de pano esconde que elas foram confeccionadas por mãos sofridas, que eram acostumadas a catar e despinicar o sururu da lagoa Mundaú. Depois de tantos anos vivendo do marisco, a troca é considerada mais rentável e abre novos horizontes para um grupo de mulheres da favela Sururu de Capote, no Vergel do Lago.
O trabalho com artesanato surgiu em maio, com o apoio da ONG Caravana da Vida, que treinou o grupo de sete mulheres para iniciar o ofício. Mesmo em tão pouco tempo, meses de experiência, hoje elas conseguem fazer cerca de 50 bonecas por dia, num trabalho prazeroso.
“Nós dividimos o trabalho e cada uma faz uma etapa da boneca. Já fizemos duas exposições e estamos trabalhando em encomendas”, contou Ana Paula dos Santos, 20, que é responsável pelo sustento da filha de um ano e do marido, que está desempregado.
A realidade de ser a responsável pelo sustento da família não intimida o grupo e é visível na maior parte das famílias da favela, que há décadas têm no sururu a principal fonte de renda. No entanto, para algumas mulheres, o encontro com o artesanato mostrou que o futuro pode ser diferente e as separou definitivamente do sururu.
Foi assim com Cláudia Patrícia Ferreira, 34, que tem três filhos, dois deles já casados. Ela deixou o sururu e ainda levou a nora, Helenice Tâmara, 18, – que está grávida do primeiro filho – para ajudar na confecção das bonecas.
“Nós pensamos em chamar mais pessoas e até tem gente querendo ajudar e se envolver no artesanato. Mas não temos como chamar agora porque ainda estamos no começo, falta material, máquina de costura para pano, cola de tecido e sabonete”, explicou.
Dificuldades são muitas e mais que enfrentar a falta de matérias-primas ou meios de trabalhar – o grupo ainda utiliza uma máquina de costura emprestada – essas sete mulheres também enfrentam a realidade de morar em uma favela e ter que “conviver” com prostituição infantil, drogas, alcoolismo entre outros problemas.
Superação
Há 36 anos uma mãe deu a luz dois filhos gêmeos; um menino e uma menina. A cor da pele da menina era branca e a do menino morena, o que fez com que o pai, que bebia muito, rejeitasse o filho. Para solucionar o problema, a mãe deles resolveu dar a menina para ser criada por uma outra família e separou os irmãos.
Quando completou oito anos, a menina soube da verdade e se revoltou com a situação. “Saí de casa, comecei a cheirar cola, entrei no mundo da bebida e da prostituição. Eu passava uns dez dias na rua e voltava para casa. Depois passei a viver nas ruas, até que descobri quem era minha mãe verdadeira”.
Anos depois, a mãe dela faleceu e veio o anseio de lutar por uma vida diferente, algo melhor que a realidade das drogas, prostituição e bebidas. “Isso foi há mais ou menos oito anos. Eu morava na favela Sururu de Capote e resolvi parar e lutar contra as drogas para que o povo me respeitasse. Quando parei, recebi apoio para tentar melhorar as condições de quem morava na favela e estou lá até hoje”, explicou Vânia Teixeira, a líder comunitária da Favela Sururu de Capote.
Ainda hoje, ela sente as marcas do período em que passou com as drogas – tremedeiras, arritmia cardíaca, medo de andar só e de desmaiar – mas isso não a impede de trabalhar para a comunidade.
“O artesanato começou para que nós ocupássemos o tempo em que não fosse época de catar sururu, mas não vamos parar porque é uma forma de acabar com a fome, as drogas e a prostituição”, diz Vânia.
Casada e mãe de cinco filhos, ela busca um futuro melhor para os filhos e as outras crianças da favela, que participam de um grupo de dança de rua e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.
“A gente luta para que eles não sigam o mau caminho. Mas enfrentamos muitos preconceitos. Um dia meu filho disse que pedia para a professora não falar que ele era da favela porque a mãe de um colega não queria que o filho ‘se misturasse’ com pessoas pobres. Isso magoa, é muito triste”, contou, com ressentimento, a líder comunitária.
Vivendo na favela onde há crianças que perdem a infância com trabalho, a prostituição infantil ou com problemas como a falta de alimentação adequada, Vânia espera que o artesanato possa motivar crianças e adolescentes, para que possam ter um futuro melhor.
“Às vezes as mães são criticadas pelos filhos, mas ninguém sabe a dificuldade que a mãe tem para educar um filho com essas condições”, finalizou.