Revista Época faz balanço das promessas de Lula; nota foi 5,2

Na campanha de 2002, antes de virar presidente, Lula fez mais de 700 promessas. A análise das mais importantes em 16 áreas mostra que ele cumpriu mais da metade do que foi prometido

No capítulo 18 de O Príncipe, o escritor florentino Nicolau Maquiavel, um dos maiores pensadores da política, afirmou: "A experiência nos faz ver que os príncipes que mais se destacaram pouco se preocuparam em honrar suas promessas". Um pouco mais adiante, Maquiavel recomenda: "Não pode nem deve um soberano prudente cumprir as suas promessas quando um tal cumprimento ameaça voltar-se contra ele e quando se diluem as próprias razões que o levaram a prometer".

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição, falou a uma platéia de educadores sobre as promessas feitas por ele na campanha presidencial de 2002. Lula deu novas explicações para justificar por que um político nem sempre honra a palavra. "Se a gente não cumprir, é porque houve fatores extraterrestres que não permitiram que cumpríssemos", disse o presidente.

"De uma coisa, podem ter certeza: não será por falta de esforço, por falta de compromisso e por falta de lealdade aos princípios que me fizeram chegar à Presidência da República que não vamos cumprir".

Há razões nobres e compreensíveis para um governante não cumprir suas promessas. Elas podem enfrentar resistências políticas insuperáveis, deixar de ser necessárias ou simplesmente se revelar equivocadas. Mas as promessas de campanha formam uma espécie de contrato político com a sociedade. Quando é eleito, o governante recebe mandato do eleitor para executar um programa. Verificar o cumprimento das promessas de Lula permite, no momento em que ele se candidata à reeleição, avaliar até que ponto foi fiel ao contrato firmado com a sociedade.

Lula lançou, na semana passada, seu programa de governo na campanha por mais quatro anos no Palácio do Planalto. É, por enquanto, só uma carta de intenções genérica, e o PT prometeu detalhá-la. O novo programa não faz um balanço do atendimento das promessas contidas em seu congênere de 2002.

Ao longo dos últimos cinco meses, ÉPOCA se encarregou de fazê-lo. Realizou uma exaustiva investigação para cotejar o que Lula prometeu na campanha de 2002 e o que entregou desde a posse. Compilou mais de 700 promessas nas 89 páginas do programa de governo, nas 452 páginas dos 15 cadernos temáticos, nos pronunciamentos de Lula nos três debates e entrevistas na TV e ainda nas declarações publicadas nos jornais em três meses de campanha: agosto, setembro e outubro de 2002.

Critérios

Na segunda etapa, a reportagem filtrou o que era relevante e merecia ser analisado em profundidade. Os dois critérios adotados foram a ênfase dada por Lula à promessa e a importância dela para cada área. Ajudaram nessa seleção especialistas nos 16 segmentos em que as promessas foram agrupadas.

Foram convidados apenas aqueles que não tinham vínculo formal com o governo, com o PT ou com a oposição. Ao final, sobraram as 111 principais promessas analisadas nesta série de reportagens. Os especialistas também ajudaram a avaliar o cumprimento de cada uma delas.

Por fim, os representantes do governo foram procurados para comentar. Técnicos e secretários-executivos, além de nove ministros, deram entrevistas. Para facilitar o entendimento, o balanço final de cada promessa foi traduzido em notas, conforme critério exposto no quadro da página 33. A nota final média do governo foi 5,2. Lula foi aprovado na execução do contrato que firmara com a sociedade. De raspão.

Crescimento econômico

Em um dos principais itens da prova – o crescimento econômico -, Lula foi reprovado. Nos documentos da campanha de 2002, Lula dizia que o país precisava crescer em média 5% ao ano. Eleito, continuou prometendo. Chegou a dizer que o Brasil, sob sua administração, passaria pelo "espetáculo do crescimento".

O avanço da economia brasileira nestes últimos anos não chegou nem perto do desempenho espetacular prometido. Essa expressão, infelizmente, ainda só pode ser usada para apontar o ritmo de desenvolvimento econômico atingido por China, Índia e outros países emergentes, concorrentes do Brasil no cenário internacional.

Enquanto esses países apresentam índices anuais de crescimento de até 11%, o Brasil se acostumou a taxas de crescimento medíocres, como a divulgada, na semana passada, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De abril a junho, a economia brasileira cresceu apenas 0,5%. O índice obrigou os economistas a rever para baixo as estimativas para 2006. Neste ano, ao contrário do que prometia Lula em 2002, os 5% continuarão a ser uma miragem.

Promessas

Muitas vezes as promessas são quebradas porque, sabidamente, não poderiam ser cumpridas. Foram apenas conveniências de palanque para agradar à platéia. No capítulo da reforma agrária, o PT afirmava que seguiria "um plano progressivo de distribuição de terras, independentemente de recursos orçamentários". "Isso é um absurdo", diz Zander Navarro, pesquisador da Universidade de Sussex, na Inglaterra, especialista no assunto. "Como alguém pode dizer que vai distribuir terras sem recursos?"

Outro expediente comum é prometer o que já existe. Lei, ações e programas implantados há anos reaparecem como promessa nova na fala dos candidatos. Em 2002, Lula lançou um programa com propostas para combater a corrupção. Uma delas era proibir a contratação de parentes no âmbito do Executivo federal. No instante em que essa proposta era apresentada, uma lei de igual teor já existia havia 12 anos no Brasil.

Às vezes, não cumprir uma promessa pode ter efeito positivo. Um bom exemplo, no governo Lula, foi o Programa Fome Zero, principal bandeira de campanha do PT em 2002. A idéia original previa distribuição de cupons de alimentação, cestas básicas e frentes de trabalho. A tempo, o governo percebeu que a administração dessa rede de assistência social seria impraticável. Voltou atrás, ampliou e melhorou os programas de transferência de renda já existentes. Daí o sucesso hoje do Bolsa-Família.

É importante ressaltar que ÉPOCA não pretendeu fazer um balanço completo do governo Lula, mas do cumprimento das promessas feitas em 2002. Por esse motivo, o que não foi prometido ficou de fora.

Exemplo: na área de comércio exterior, não há referências à liderança do Brasil na formação do grupo dos 20 países em desenvolvimento (G-20) para as negociações na Organização Mundial de Comércio, uma das mais importantes iniciativas de Lula. Outro exemplo: a história completa da administração petista não poderia ignorar a crise política de 2005, que paralisou o governo e levou à saída de seus principais ministros.

ÉPOCA lançou-se nessa empreitada por dois motivos. Primeiro, a demagogia tem sido um mal recorrente na política brasileira. A sociedade, nos últimos anos, fez grandes avanços na exigência de maior transparência e fiscalização dos políticos. Mas os candidatos precisam ainda se habituar a prestar contas do que prometem ao eleitor, prática comum em países com maior tradição democrática.

O segundo motivo: uma disputa pela reeleição é fundamentalmente um julgamento em que o eleitor decide se o atual governante merece permanecer no poder. Ao fazer esse balanço, ÉPOCA acredita ajudar o eleitor a decidir seu voto e a descobrir se o presidente encarou suas promessas como um contrato com a sociedade ou se, como aconselha o escritor florentino, abandonou-as quando se tornaram incômodas.

Tema – nota média

Ação social: 6,3
Trabalho: 3,8
Educação: 4,8
Saúde: 6,2
Habitação: 7
Segurança: 3,8
Combate à corrupção: 5
Cultura: 5,3
Combate ao racismo: 4
Economia: 6,1
Defesa Nacional: 3,3
Reforma agrária: 3,3
Comércio exterior: 7,4
Meio ambiente: 6,4
Infra-estrutura: 5
NOTA FINAL: 5,2

No total foram analisadas 111 promessas em 16 áreas. A nota final 5,2 ocorre tanto dividindo a soma de todas as notas por 111, quanto na divisão das médias de cada área por 16

Fonte: Revista Época

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