O inimigo vem da Pitanguinha

Quando me deram um FAL e me disseram que iria tirar guarda no fundo do quartel, nas antigas baias, tomando conta do paiol que, se explodisse, me levaria junto com metade da população da Pitanguinha, eu tinha 18 anos de idade; incrível, mas foi a primeira vez que senti o peso da idade.

Tremi de medo; quando a noite chegou tudo que se mexia era inimigo – o vento, uma vespa perdida, a luz do pirilampo que eu enxergava como se fosse o farol de um carro. Na época os comunistas estavam invadindo os quartéis e matando sentinelas – era o que me diziam aumentando o medo.

No turno da noite veio um companheiro para ficar comigo – era o reforço, como se diz na gíria militar, mas, foi pior porque eram dois com medo e ele mais do que eu; passou quase todo o tempo trepado no pé de cajueiro querendo me convencer – e ao ronda – de que dali era melhor para “acertar o inimigo”.

De fato, foi um tiro certeiro. Bem não assumimos o posto, era umas 2 horas da manhã, e do matagal que limitava o quartel com o bairro da Pitanguinha ouviu-se ruídos estranhos; parecia gente pulando o cercado e correndo pelo mato sobre gravetos.

O medo tomou conta de nós dois e ele continuou no cajueiro, tentando descobrir o que era. Eu me amparei na parte da frente do paiol e mirei na estrada que levava ao fundo do quartel; engatilhei o FAL enquanto ele, de cima do cajueiro, dava a ordem:

– Se passar por aí arroche! E se vier desse lado eu atiro e não quero nem saber!

– E a senha, cara, tem que pedir a senha!

– Porra de senha! Já tou todo cagado aqui…

A orientação passada e repassada pelo comandante da guarda e pelo oficial-de-dia era no sentido de, primeiro, pedir a senha e depois o arremate que pode ser por adição ou subtração. Por exemplo: a senha é cuscuz, a contra senha é abacaxi e a chave é 3 por adição.

O sentinela fala: avance a senha e a pessoa diz cuscuz; o sentinela responde abacaxi e dá o arremate, citando um número qualquer, por exemplo, 8. Como é 3 por adição, a pessoa deve responder 11, se fosse por subtração seria 5.

Meu amigo tinha dificuldade de lidar com números por isso dispensava a senha; muitas vezes até a esquecia e apelava: “Cara, qual é a senha de hoje?” De tão voador, não cuidava de ser discreto e perguntava em voz alta no alojamento, no rancho, onde fosse.

Os ruídos nos atormentaram por uns dez minutos; nem eu tive coragem de ir verificar o que era, nem meu amigo desceu do pé do cajueiro. Decidimos então aguardar o “ataque”, quando vi um vulto branco saltar na estrada bem perto do pé de cajueiro; e ouvi depois dois tiros e o baque de algo pesado o solo. Pá!Pá!…Bufit!

Deu-se o silêncio seguido de pisadas da guarda que vinha em acelerado; os dois disparos ecoaram pelo bairro do Farol inteiro. O sargento Lucena, comandante da guarda, acordou o oficial-de-dia, que mandou tocar o alarme; de repente, o quartel estava cheio; a maioria de cuecas, capacete e fuzil.

Meu amigo permaneceu no pé do cajueiro; eu fiquei paralisado e a ficha só caiu quando ouvi a voz do sargento:

– Putaquipariu, você matou a burra do cabo Marques!

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