A construção do Memorial Zumbi dos Palmares, uma ação efetiva do Governo do Estado de Alagoas, através da Secretaria de Defesa e Proteção das Minorias, na verdade é uma travessia não do navio negreiro, e sim de um acervo educativo da história dos negros/negras e afro-descendentes da calunga grande.
É a ruptura com a “senzala” imposta no imaginário social, o metafórico ciclo da escravidão que sempre e permanentemente nos associa à miséria e estagnação. Quem já não ouviu a máxima que negro é excluído porque é pobre? Contar a nossa história em espaços estruturados do Parque Memorial, com suor, letras, artes, jongo, capoeira, sonoridade, estórias, oralidade e imagens que remetem a força/intelectualidade/contribuição do povo negro alagoano é debruçar-nos sobre o submundo dos estereótipos sociais em que representação desse mesmo povo , surge como “escravo”, com a força da adjetivação, recorrente a inferioridade de “raças”.
A construção do Parque Memorial é a ascensão de uma história relegada a dias pontuais. É a abertura de caminhos para o real conhecimento da história. Fomos escravizados e escravizadas mesmo que, ainda hoje, subjugadas pelo ideário socialmente construído a miséria das favelas e das panelas vazias, estamos construindo pontes que ultrapassem as barreiras do racismo e dos preconceitos de classe.
O Memorial é uma dessas grandes pontes. Ultrapassamos o medo de nada ser, estamos construindo a consciência alagoana da identidade étnico-racial. Éramos um/uma, nos tornamos muitos/muitas, viramos quilombo, hoje estamos numa cadeia da luta acadêmica mobilizadora. Tornamos-nos estudiosos e estudiosas.
Somos intelectuais. Somos Memorial. Precisamos de um acervo do orgulho negro. Não um acervo exótico. A beleza do negro geralmente é vista como exótica, num significativo discurso da discriminação pelo “diferente”. Precisamos nos ver com a altivez que tinham nossos ancestrais e que muitos e muitas de nós receberam como herança.
Na verdade queremos ter a liberdade de expressão. A liberdade de registrar em imagens o orgulho da trajetória histórica de um povo, não só a humilhação do olhar etnocentrista. Precisamos ter o passado e presente fazendo a representação precisa da realidade.
Segundo Stuart Hall, intelectual inglês negro, o racismo deve ser entendido como uma "estrutura de conhecimento e representações",1 com uma energia simbólica e narrativa que trabalha para assegurar nossa posição aqui, em cima, assim como para assegurar que os “outros” permaneçam lá embaixo, fixando cada um "em seu lugar social ‘natural’" (Hall, 1992). E isso reflete na imagem que o domínio eurocêntrico pincelou da “raça submissa”.
A proposta do Parque Memorial Zumbi dos Palmares, segundo Patrícia Irazabal Mourão, Secretaria Especializada de Defesa e Proteção das Minorias, é a de que negros e negras ou não, possam a partir da história vivenciada, através das imagens percebam o elemento negro como sujeito construtor de uma nação, criando uma linguagem simbólica de uma auto-representação étnica positiva.
O Parque Memorial Zumbi dos Palmares é a construção dessa miscigenação fantástica que forja o Estado de Alagoas e a nação brasileira.
*Coordenadora do Núcleo Temático Identidade Negra na Escola/Secretaria Executiva de Educação.