O Papa Bento XVI nomeou nesta terça-feira (31) o cardeal dom Claudio Hummes, líder da maior arquidiocese católica do Brasil, para chefiar o poderoso departamento do Vaticano que gerencia os padres católicos do mundo. Para assumir o cargo, o cardeal terá que se transferir para a sede da Igreja Católica, em Roma, e deverá deixar a arquidiocese de São Paulo.
Hummes, 72 anos, foi considerado um forte candidato ao papado durante o conclave que elegeu Bento XVI em abril de 2005.
Além de supervisionar a atuação dos padres ao redor do mundo, o prefeito para a Congregação do Clero tem também a função de fiscalizar as finanças das paróquias.
Amigo do presidente Lula, dom Claudio sucederá o cardeal colombiano Darío Castrillón Hoyos no posto de prefeito da Congregação para o Clero. O Vaticano informou que Hoyos, de 77 anos, se aposentará por causa da idade.
Desde 1998, Hummes lidera a arquidiocese de São Paulo, a maior do país católico mais populoso do mundo. Com a nomeação, o cardeal deixa de ser o arcebispo metropolitano de São Paulo e passa ao cargo de administrador apostólico. Nesta função, Hummes mantem a responsabilidade pelo comando da Igreja em São Paulo.
O sucessor de dom Claudio Hummes ainda não foi nomeado, mas dada a importância da arquidiocese no Brasil, a expectativa é a de que o Papa Bento XVI e a Nunciatura – que funciona como uma embaixada do Vaticano no país – façam a escolha do novo arcebispo nas próximas semanas.
Guardião
Dom Claudio Hummes é um misto de defensor da justiça social e guardião dos dogmas do Vaticano. O religioso considerado um símbolo da luta contra a ditadura militar de 1964 a 1985 no país latino-americano com maior número de católicos.
Nascido em 8 de agosto de 1934, em Montenegro, 100 quilômetros de Porto Alegre, Hummes é arcebispo de São Paulo desde 1998. Considerado "de centro", a meio caminho da ala conservadora da Igreja brasileira e dos defensores da Teologia da Libertação, ele dirige uma das principais arquidioceses do mundo, composta de 261 paróquias que agrupam algo em torno de nove milhões de fiéis.
Aos 72 anos, Hummes vai agora para a Cúria Romana, numa indicação que ilustra a importância do Brasil – maior país católico do mundo – para o Vaticano. Pode sinalizar também uma maior dedicação da Igreja para com os pobres, especialmente nos países em desenvolvimento.
No cargo de prefeito da Congregação para o Clero, Hummes chefiará cerca de 400 mil padres mundo afora. Também terá de enfrentar questões complicadas, como os casos de pedofilia e a laicização (processo pelo qual os padres abandonam o sacerdócio).
"Vejo a perspectiva simbólica de Hummes influenciar as raízes da Igreja. Isso é um reconhecimento para o Brasil, onde vive um em cada dez católicos (do mundo) e onde a Igreja é muito ligada à classe pobre", disse Fernando Altemeyer, professor de Teologia e ouvidor da PUC-SP.
É também um reconhecimento por parte do Papa Bento XVI do fato de que Hummes foi progressivamente se distanciando dos movimentos de esquerda, embora sem abandonar as questões sociais, e se voltando para os dogmas católicos tradicionais.
Nas décadas de 1970 e 1980, Hummes ajudou os sindicatos de esquerda na luta contra a ditadura e, quando era bispo de Santo André, em São Paulo, chegou a abrigar reuniões de grevistas em sua paróquia.
Na época, a ação foi saudada pelo então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, a quem dom Claudio veio defender décadas depois, já na Presidência, quando foi descrito pelo cardeal do Rio de Janeiro, dom Eusébio Scheid, como "caótico" e não "católico". De acordo com dom Cláudio, o presidente, seu amigo pessoal, já comungou com ele diversas vezes e "é católico a seu modo".
Mesmo tornando-se mais moderado com o passar do tempo, ele continua defendendo o MST, os sem-teto e os movimentos de moradores de favelas.
"Ele é um dos bispos que mais apóiam a causa dos pobres. Espero que possa ser papa", disse frei Betto, tradicional militante de esquerda da Igreja. "Ele não mudou muito. Se a ditadura voltasse, ele voltaria à luta política para apoiar as greves dos sindicatos."
Fiel ao vaticano
Altemeyer, que já foi assessor de Hummes, disse que o cardeal é "completamente afinado com todos os dogmas do Vaticano".
"Conservador e fiel à linha do Vaticano para questões de dentro da Igreja, como o clero, o sacramento e a educação católica, (mas) extremamente liberal a respeito de justiça social", disse.
"Quanto à Teologia da Libertação, ele não está mais no barco, mas não joga água dentro do barco para que afunde, como têm feito outros bispos", disse Altemeyer. A Teologia da Libertação, que aproxima os ensinamentos cristãos do marxismo, foi duramente combatida pelo hoje Papa Bento XVI na época em que este era o chefe da doutrina do Vaticano, durante o pontificado de João Paulo II.
Hummes também é um conservador em questões morais. Opõe-se ao uso de preservativos e à sua distribuição pelo governo, condena o aborto e as pesquisas com células-tronco, mas defende o diálogo em vez do confronto.
Dentro da Igreja, propõe uma atuação mais ativa dos padres, sugerindo que eles visitem as casas dos fiéis para evitar que o rebanho debande para os cultos evangélicos. Busca incentivos para movimentos religiosos e defende que a imprensa e a Internet dêem mais visibilidade à Igreja.
Ele foi um dos cardeais que participaram do conclave de 2005 que consagrou Bento XVI. Nos últimos anos do pontificado anterior, ele era frequentemente citado como "papável".
Filho de imigrantes alemães, nascido no município gaúcho de Montenegro, esse franciscano ganhou fama na década de 1970, quando era bispo de Santo André (SP). Na época, permitia que os sindicatos do ABC, proibidos pelo regime militar, se reunissem na sua igreja.