A dor pela perda de um filho é insuperável; ainda que o tempo ajude a disfarçá-la, o sofrimento fica contido e aflora à mínima lembrança.
Quando essa perda se dá pela tragédia, parece então que corrói mais e não há consolo para tamanha dor; nas tragédias busca-se sempre culpados – e na maioria das vezes existem.
Imagino a dor que os pais do Tiago, o garoto atropelado em Bebedouro, enfrentam ainda hoje na busca da explicação que minimize o sofrimento.
Sem dúvida que são legitimas as reações dos pais do Tiago; ainda que seja impossível trazê-lo de volta, essas reações são como compensações ao sofrimento.
Ocorre que, do lado de lá, ou seja, do lado da ré acusada de atropelar e matar Tiago, existe uma filha, uma irmã, uma mãe, uma esposa e uma amiga exemplar. A sra. Amélia Acioly é tudo isto e quem a conhece sabe que é.
Sou suspeito para falar, porquanto fui beneficiário de seus favores; vi seus filhos crescerem juntos com meus filhos.
Mas, é exatamente pelo dever da gratidão e da justiça que me sinto na obrigação de dizer alguma coisa; de escrever algo que ainda não foi escrito, para que a sociedade conheça antes quem é a sra. Amélia Acioly.
Natural de Pindoba, é de uma família de muitas irmãs e apenas um irmão. Lutaram toda a vida para se estabelecer em Maceió e conseguiram, mas a tragédia marcou a família quando o único filho homem morreu num acidente automobilístico.
Para aliviar o sofrimento a família, agora limitada às mulheres, dedica-se às atividades comerciais. A sra Amélia toma conta do mercadinho na subida da Ladeira do Calmon, em Bebedouro, menos de 100 metros de onde o garoto Tiago foi atropelado.
O mercadinho foi assaltado várias vezes até que ela e o marido decidiram contratar um segurança. Foi contratado um sargento da PM reformado, que morreu nos seus pés crivado de balas.
Os assaltantes atiraram no sargento, que caiu sobre a sra. Amélia, que nunca mais foi a mesma; além de ter escapado por pouco de também ser morta, jamais tinha visto alguém morrer daquele jeito.
A sra. Amélia vivia assustada com tudo e com todos; o estranho lhe era suspeito, mas tinha que conviver com essa situação – afinal, tinha de tomar conta do estabelecimento comercial.
Foi por isso que a sra. Amélia tentou arrancar com o carro, terminando por atropelar o garoto Tiago até arrastá-lo. É lamentável e mil vezes se diga, mil vezes e muito mais se repetirá sem que se possa medir a extensão da dor.
Não me compete discutir o mérito; não tiro a razão dos pais do garoto atropelado, mas, por dever de gratidão e de justiça, a sra Amélia Acioly é uma mulher com todos os atributos que engrandecem a raça humana – boa mãe, esposa dedicada, amiga fiel e, sobretudo, solidária, incapaz de dizer “não”.
Infelizmente, a fatalidade não livra os bons e os justos; todos nós estamos sujeitos ao imponderável.