O cinema alemão inova em janeiro com a sua primeira comédia sobre Hitler. O diretor judeu Dani Levy segue os passos de Charlie Chaplin, diretor de "O Grande Ditador", com um retrato decididamente impiedoso de Hitler como um viciado em drogas que faz xixi na cama e faz o mundo sofrer como vingança pelas surras que levou quando garoto.
Hitler gosta de brincar com seu couraçado de brinquedo na banheira, urina na cama, não consegue ter ereções e é viciado em drogas, as quais ele mantém em seu globo gigante. É o que mostra a primeira comédia alemã sobre o führer, com direção do judeu Dani Levy.
"Mein Führer: A Verdade Sobre Adolf Hitler", que recebeu financiamento público, estréia em janeiro e se encaixa numa recente tendência na Alemanha em tratar sua história nazista com outro enfoque. Segue a produção do filme "A Queda", de 2004, um dos primeiros filmes alemães a exibir o lado mais pessoal de Hitler.
Uma farsa alemã sobre Hitler teria sido inimaginável poucos anos atrás. Mas o passar do tempo e o gradual desaparecimento da geração da era nazista concederam ao país uma visão mais distanciada de seu passado.
O diretor suíço Levy conta que quer seguir o exemplo do clássico de Chaplin de 1940 "O Grande Ditador", e transmitir uma visão anedótica da teoria de que Hitler estava se vingando do mundo por ter apanhado do pai.
Levy, aclamado pela crítica por sua comédia de 2004 "Todos Contra Zucker”, sobre o povo judeu na Alemanha pós-unificação, não vê nada de errado com o enfoque tragicômico sobre o Holocausto. "Não quero dar a uma essa pessoa cínica e psicologicamente doente a honra de um retrato realista", afirmou.
E isso ele não faz mesmo. No filme, Hitler, protagonizado pelo comediante Helge Schneider – que imita o modo de falar ríspido e gutural do führer – anda de quatro em seu enorme gabinete de Chancelaria latindo como seu animalzinho Alsatian Blondi, a quem ensinou a fazer a saudação a Hitler e vestiu com um pequeno uniforme da SS.
Vamos ao enredo
Final de 1944. Hitler perdeu a confiança em si mesmo e um ministro de Propaganda desesperado, Joseph Goebbels, intima o antigo professor de arte dramática judeu Adolf Grünbaum, então num campo de concentração, para trazer o ditador de volta à ativa para uma campanha de massa visando revigorar o povo alemão.
"Não leve a solução final para o lado pessoal", diz Goebbels a um Grünbaum definhado, quando o professor chega à Chancelaria cercado por oficiais nazistas que não param de erguer o braço em saudações ensurdecedoras "Heil Hitler!" a intervalos de segundos.
As sucessivas tentativas de Grünbaum de matar Hitler fracassam, então ele desiste de dar aulas de representação ao perturbado ditador e por fim transforma-se num tipo de psiquiatra, descobrindo que o ditador não é capaz de superar o fato de jamais ter conseguido agradar seu rigoroso pai.
Deitado no sofá de seu imponente gabinete, Hitler recorda-se de um triste incidente da infância. "Certa vez meu pai me deu um estilingue. Ele olhou para cima e me disse ‘Mate aquele pombo!’. Atirei e o pombo caiu morto. ‘Isso não passou de sorte de principiante’, ele disse, e saiu andando". E as lágrimas escorrem por seu rosto.
Outra cena mostra Hitler com um ar desconcertado em cima de Eva Braun que diz "Não consigo senti-lo Mein Führer".
Ao final do filme, o barbeiro de Hitler sem querer raspa metade do seu pequeno bigode, provocando uma fúria violenta no ditador, o que o faz perder a voz minutos antes de proferir um discurso. Grünbaum teve de assumir…
Mensagem séria
Por trás de todas essas tiradas, é claro que Levy quer transmitir uma mensagem séria. Ele diz que se inspirou numa teoria de que Hitler estava fazendo o mundo sofrer devido à sua infância infeliz. "A ‘viagem analítica’ em que Hitler embarca com seu ‘terapeuta’ Grünbaum é baseada em material verdadeiro", conta Levy. "Por muito tempo fiquei me perguntando por que ninguém fez um filme sobre esse elo, fosse em drama ou comédia".
Levy critica a “Lista de Schindler” de Steven Spielberg por querer mostrar um retrato realista do Holocausto. Ele prefere o enfoque do diretor italiano Roberto Benigni no filme tragicômico de 1997 "A Vida é Bela", sobre a luta de um judeu para ajudar o filho a sobreviver num campo de concentração. "Benigni nunca teve pretensão de mostrar um retrato do período e o horror era realista. Benigni se aventurou num outro nível. Ele usa um conto de fadas poético que se passa num campo de concentração para narrar como as fantasias de uma criança são indestrutíveis".
Segundo Levy, a fantasia e a fábula conseguem explicar melhor a época. "A comédia é mais subversiva do que a tragédia. Ela diz coisas que não seriam possíveis num retrato autêntico e sério".
O interesse na era nazista vem aumentando na Alemanha nos últimos anos, com uma série de filmes, documentários e livros abordando o tema. Alguns são polêmicos, ressaltando a má condição dos alemães durante os bombardeamentos aéreos dos aliados ou em expulsões em massa de locais onde hoje é a Polônia e a República Tcheca, após a 2ª Guerra Mundial.
Embora exista uma série de histórias em quadrinhos muito conhecida sobre Hitler, de autoria do cartunista Walter Moers, um filme de comédia sobre Hitler é algo novo e está despertando enorme interesse.
As filmagens em Berlim já causaram alvoroço. Em março, Levy enfeitou a praça central Lustgarten, em Berlim, com faixas gigantes exibindo a suástica e contratou centenas de figurantes para tremular a suástica e fazer a saudação "Heil Hitler" nos preparativos para a cena final. Os turistas de passagem e os berlinenses ficaram horrorizados.