Pele clara, olhos puxados e escuros, cabelos lisos e cuidadosamente repicados. A aparência é a de uma jovem oriental em seus vinte e tantos anos. Mas o fato é que Anshe Chung, a primeira milionária do mundo virtual, existe há pouco mais de dois, no universo de “Second life”, um misto de game com comunidade online, que atualmente já acumula 1,6 milhão de “residentes”.
Chung é uma espécie de megaempreendedora dentro de "SL" e, se convertesse para dólares americanos tudo o que acumulou nesse tempo por lá, sua fortuna ultrapassaria hoje a marca de US$ 1 milhão.
Chinesa, radicada na Alemanha, Anshe Chung — nome real, Ailin Graef — vem se dedicando-se à construção virtual de terrenos, residências e até edifícios comerciais (leia mais abaixo), desde que entrou em "Second life", 30 meses atrás. Desembolsou US$ 9,95 para criar sua conta de usuária e, hoje, já é dona de 36 quilômetros quadrados de “terra”, dezenas de shopping centers, cadeias de lojas e produtos com sua própria marca. Sem sombra de dúvidas, Anshe Chung é a mais bem-sucedida empresária de “SL” – com direito, inclusive, à reportagem de capa na revista "Business Week".
Nesta terça-feira (28), fez circular um comunicado convocando jornalistas do mundo real para que se encontrassem com ela na cidade fictícia de Mengjing, em algum lugar de “SL”, para uma entrevista coletiva onde explicaria como se tornou a primeira milionária do mundo virtual. E o G1 foi conferir.
Com as coordenadas na mão e devidamente cadastrados em “SL”, clicamos numa espécie de mapa do mundo virtual e teleportamos nosso repórter digital para lá, às 15h (horário de Brasília). O endereço, um anfiteatro com decoração à moda chinesa, já estava lotado, incluindo “celebridades locais”, como o correspondente Adam Reuters – correspondente da tradicional agência de notícias, que montou recentemente um posto de trabalho dentro de “SL”.
O que é (ou não é) real?
Diante dos jornalistas, sentada atrás de uma bancada ao lado de seu marido – e companheiro também na vida real –, está Anshe Chung. Seu traje é casual: cabelos presos, pouca maquiagem, jeans e uma camisetinha preta, que deixa à mostra parte da tatuagem de dragão que ocupa toda as suas costas. O assunto, no entanto, é sério, indicam as palavras que Chung vai digitando (à maneira de uma sala de bate-papo):
“Há algumas coisas que eu preciso esclarecer para evitar confusões. O que foi publicado ontem e hoje estava um pouco incorreto. O valor divulgado é o meu valor bruto, de Anshe Chung, residente de um mundo virtual. Todas essas propriedades estão dentro de ‘Second life’. Não é dinheiro que minha criadora (Ailin) tenha colocado em sua conta bancária”.
E continuou: “Preferiria também que quando vocês escrevessem sobre isso que focassem em Anshe Chung, e não tanto na minha vida real. ‘Second life’ tem uma cultura própria e uma mentalidade muito particular. Algumas coisas que são comuns aqui podem soar um tanto engraçadas quando atribuídas à vida real de uma pessoa”.
Até para ela: “Ainda estou impressionada que isso tudo tenha acontecido. Mesmo quando entrei, em 2004, nunca previ que chegaria até esse ponto”, completou. “A parte mais difícil é que quando comecei a ter sucesso encontrei uma elite estabelecida de pessoas que já faziam negócios (em ‘SL’) há muito mais tempo, desde o período de testes”, lembra.
O segredo do sucesso de Chung, porém, talvez tenha sido o de levar o seu negócio mais a sério do que qualquer um pudesse imaginar ser possível. Para isso, estabeleceu uma empresa no mundo real, contratou 25 funcionários, entre designers, arquitetos e programadores, e partiu atrás dos clientes. “Hoje, nós alugamos propriedades virtuais para companhias e organizações da vida real. Na noite passada, alugamos 12 lotes para uma grande estação de TV, por exemplo. Temos também várias universidades e clientes de companhias menores. Muitos preferem continuar anônimos enquanto exploram o ‘SL’”, diria ela, mais tarde, enquanto mostrava aos jornalistas uma de suas propriedades mais badaladas, o centro comercial de Plush City.
E o que as empresas vêm fazer aqui?, perguntou um dos repórteres. “Marketing, pesquisa, reuniões, educação… A Dell vende computadores.”
Terra de oportunidades… e de riscos
De fato, o burburinho em torno dos negócios e da economia em “Second life” tem crescido bastante nos últimos meses. Além da Dell, empresas como IBM, Adidas, Warner Music, entre outras, já realizaram as mais variadas ações para marcar presença nesse universo digital, que evolui em velocidade vertiginosa. (Em menos de 15 dias, a reportagem do G1 constatou um salto de 1,4 para 1,6 milhão de usuários registrados). Exploração esta que preocupa alguns “residentes” mais puristas, mas, não, claro, a maior capitalista do pedaço.
“Eu vejo a realidade virtual como uma ferramenta poderosa que permite às pessoas fazerem coisas que não poderiam fazer na vida real. Para alguns de nós, isso pode significar voar ou morar em uma vila. Para a IBM, pode significar organizar reuniões com pessoas de todo o planeta.”
A exposição recente também gerou uma onda de ataques de hackers, o que fez balançar inclusive a cotação da moeda virtual de ‘SL’, o dólar Linden (L$) – trocada, em fóruns na internet, na proporção de US$ 1 para cada L$ 300.
Mas a nova "milionária" não se assusta e diz que está pagando para ver aonde a bricandeira vai dar. “Muito do que as pessoas possuem na vida real é imaterial também. Todo valor é definido por aquilo que alguém esteja disposto a pagar por aquela coisa." E completa: "Existe o risco de falha em ‘Second life’. Assim como existe o risco de uma guerra nuclear.”