Desde o inicio do século XIX, quando o Romantismo era o estilo predominante na Literatura Brasileira, que a poesia foi perdendo espaço devido ao caráter comercial da prosa folhetinesca, que servia de entretenimento, sonhos e fantasias para as moças e rapazes galantes do Segundo Império. O Realismo – estilo contrário ao lado emotivo romântico e guiado pela ciência e razão – confirmou a preferência da prosa e colocou a poesia dentro de pequenos guetos, seja pela elitista e rebuscada poesia martelada parnasiana, ou pela contramão literária do Simbolismo (com sua extrema subjetividade e visão passional).
O fato é que a poesia tem se tornado uma linguagem de poucos, ou como diria o escritor alemão Herman Hesse: “um Teatro Mágico só para raros, ou para iniciados”. No entanto, cada tempo possui sua própria contramão. É difícil ir as livrarias atuais e encontrar uma estante de poesia. No máximo, o leitor pode se deparar com uma prateleira reunindo clássicos e com pouco – muito pouco, até se diria – iniciantes versos. A última vanguarda brasileira que deu um pouco de ascensão a poesia foi em 1950, com o concretismo que consagrou os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Ferreira Gullar.
Porém, é na contramão da prosa dominante que alguns escritores “sem livros” optaram por invadir a rede mundial de computadores e se utilizarem de um velho formato de publicação já famoso entre os adolescentes, jornalistas e amantes de diários em geral: o blog. A poesia ganhou um novo formato diante da pós-modernidade. Ela sobrevive num espaço virtual e interage com os leitores a ponto de causar comentários e abrir discussões. O universo é uma verdadeira caverna virtual, onde idealistas, poetas marginalizados pelas editoras – como coloca o escritor, músico e professor Lee Flores – escrevem e se libertam. Apesar da Internet ainda ser um espaço restrito a poucos no Brasil, Flores de uma certa forma define o espaço como uma janela marginal, por onde se escapa da imposição das modas, que – pasmem – também atingem o mercado editorial.
Se escrever é desnudar-se aos olhos alheios – como diria o modernista português Fernando Pessoa – lançar-se na Internet é além de despir a alma se alçar a um mundo onde a visão não alcança a linha do horizonte. Alguns escritores que usam os blogs como espaço artístico comentar a revolução em sua vida. É o caso da escritora Maíra Viana, que conseguiu – apesar de escrever de São Paulo – fazer amigos e leitores “de fé” em Maceió. Tudo isto pelo mágico poder das letras, que envolve, seduz e traduz muitas vezes, nos poemas, escritos aquilo que o leitor jamais conseguiria dizer com suas próprias palavras. São palavras que não estão nas livrarias e a entrada é franca.
“É ruim porque apesar da sua arte estar sendo valorizada você também não ganha nada. Faz amigos, mas começa a morrer aquele sonho de querer publicar e de certa forma ser reconhecido. Mas, as atenções dos holofotes estão cada vez mais voltados a coisas superficiais e banais. Os escritos mesmos, sobrevivem nestas cavernas ao alcance de todos, mas do interesse de poucos”, colocou a poetisa Fernanda M ( forma como assina as suas poesias).
Fernanda desistiu do mundo dos blogs e há pouco tempo retirou o seu do ar. “Fui vítima de plágio e de brincadeiras de mau gosto. Hoje mando apenas por e-mail para pessoas com quem troco sentimentos, mas sei da importância do blog para os poetas hoje em dia. Aconselho. Acho que vou voltar”, destacou.
Expressão virtual
No caso de Lee Flores (http://expressaoprefabricada.blogspot.com), as poesias postadas conseguem reunir comentários e até mesmo fãs do escritor, que nunca lançou livro e conseqüentemente nunca esteve nas prateleiras. O título do espaço virtual criado por Flores é uma referência a uma canção do escritor Lobão. No blog é possível encontrar diversas temáticas, que vão do social ao lírico e até mesmo obras de outros escritores e músicos, alguns até famosos. O blog alimenta uma necessidade, devido à periodicidade e estimula o escritor a revitalizar a poesia em espaço real.
Tanto é assim que Flores já prepara o seu primeiro livro de poesias. “Ainda está em fase de formulação, mas a concepção e a divisão do trabalho, já tenho pronto na minha cabeça há muito tempo”, comenta o escritor. A concepção de gueto ainda se mantém, mesmo com a Internet sendo um canal mais aberto. As poesias de Lee, por exemplo, possuem entre dois e sete comentários. No entanto, o que é válido – como ressaltam os poetas bloguistas – é o prelúdio da discussão.
Em uma das poesias, por exemplo, Lee Flores deixa antevê que os blogs recheados de poemas podem se assemelhar ao sonho de impor uma literatura que pulsa e arranca emoções reais, como escreve Jonh Fante em seu Pergunte ao Pó: “Me vejo entre cigarros/ e entre amores que nestas cinzas despejei/ O cinzeiro cheio/ O coração vazio/ E o poema pedindo palavras/ O vácuo do coração/ surge quando nasce à manhã/ E a palavra do poema/ permanece no cinzeiro/ junto com meus amores/ junto com o beijo que não era esperado/ E o desejo me compromete/ e me revoluciona/ Espero que esta manhã/ Caiba em minhas mãos cintilantes/ como espero que se faça feliz a sua presença”, escreve Flores. No blog é possível encontrar mais exemplos do ambiente criado pelo poeta.
Prosa poética
Em Vergonha do Pé (www.vergonhadope.blogger.com.br) – inspirado pela escritora Fernanda Young – a jovem jornalista Maira Viana apresenta uma prosa extremamente poética e densa, que já angariou uma pequena centena de fãs. Atualmente, trabalhando como produtora de um grupo que mistura teatro, música e poesia, Maira Viana se divide entre a vida profissional – também regada a muito poema – e a arte de expor comentários líricos aos que acompanham a sua literatura.
Iniciado pelo sonho da autora ser roteirista e pelo apoio dos amigos reais e virtuais, Viana enveredou pelo caminho mágico das Letras e é capaz de surpreender os leitores com versos do tipo: “Todos os dias eu acordo pensando em desistir. Calço os sapatos pensando em descalçar. Me distancio de casa em rotineira condição. Na janela do ônibus, pareço eterna diante do tráfego. O tempo se esconde de mim no movimento daqueles que passam pela mesma catraca, todos os dias. Fecho os olhos tentando enumerar as pessoas que estarão no meu velório. Me distraio enquanto correm as horas. Todos os dias eu atravesso as ruas pensando em tropeçar. Almoço pensando em vomitar. Da janela de casa pareço tonta diante da solidão. As palavras fogem de mim em blocos de nota no computador. Todos os dias eu acordo pensando em desistir. Ainda bem que você nunca deixa”.
São textos de riqueza literária que não encontraram espaço nas livrarias, pelo menos ainda. No blog, Maira Viana faz uma auto-referência: “a menina das palavras, segundo o poeta”. Palavras, que assim como a de Lee Flores, andam escondidas num mundo facilmente aberto a visitas. No entanto, se Hesse estiver certo: “só para raros, ou iniciados”.