No final da manhã de hoje, Marta Vieira da Silva, 20, tirou as chuteiras de número 37, para deixar os pés no Hall da Fama Lauthernay Perdigão. Agora ela é eternamente Martha, a menina que saiu da cidade de Dois Riachos, distante 193 quilômetros de Maceió, para se tornar a melhor jogadora do mundo.
O reinado de Marta – pelo menos para os alagoanos – não durará apenas 12 meses, ou seja, até a próxima eleição promovida pela Fifa. O posto conquistado pela garota de Dois Riachos sequer é vitalício. A responsabilidade que recai sobre o sorriso de menina e dos pés matadores é eterna. A própria jogadora confessa que a ficha ainda não caiu. Com poucas palavras e os olhos ainda úmidos ela deixa escapar: “Fico muito orgulhosa com isto, mas o futebol feminino ainda depende de várias pessoas e precisa de muita ajuda”.
Esta ajuda necessária ao desenvolvimento do esporte no Brasil e em Alagoas, que fez de Marta uma guerreira. Consciente de que o poder não está só nos chutes precisos, mas nas declarações certeiras para que o esporte, dominado pelos homens, conquista seu espaço entre as mulheres, a jogadora sentou as impressões plantares no Hall da Fama cobrando a união da iniciativa privada e do poder público para a organização de uma liga brasileira de futebol feminino.
“Precisamos disto. Sem esta liga já conseguimos andar, imagine se tivermos clubes onde nossas jogadores possam trabalhar o tempo todo. Há jogadoras que só treinam quando chegam à seleção brasileira, isto dificulta muito para que o Brasil chegue mais longe no futebol feminino”, colocou. Marta joga no UMEA, clube da Suécia, mas deixa escapar – em entrelinhas – que não vê a hora de voltar ao Brasil.
“É uma responsabilidade de todos, principalmente dos clubes investirem em equipes femininas, da iniciativa privada apoiar e das federações chegarem junto do poder público”. Indagada sobre se estaria disposta a bater de porta em porta atrás do apoio na rede privada e no poder público, Marta é precisa na reposta, tão precisa quanto quando faz um gol de placa: “nós estamos aqui, conquistando. É preciso que eles enxerguem o que todos vêem e venham até nós. Eles sabem do trabalho sério que é feito”, colocou Marta, cobrando maior reconhecimento.
A jogadora diz que ainda não teve tempo de descansar em Alagoas. “Desde que cheguei é só autógrafos e fotos. As pessoas querem me ver. Sei que a minha vida mudou, agora é diferente. A gente entende tudo isto. Eu me sinto orgulhosa, principalmente quando olho para trás e vejo as dificuldades. Esta homenagem que recebo hoje é para toda a minha vida, até quando eu ficar bem velhinha. É uma honra participar disto”.
Marta disse não ter ídolos, mas admirar alguns jogadores, entre eles Ronaldinho Gaúcho, com quem mantém contato na Europa. “Adoro quando me chamam de Ronaldinha, ou de ‘A Fenômeno’”, brinca. Receita para o sucesso e para as conquistas, a atleta diz que há um tripé que deve pautar todo o ser humano: “persistência, determinação e humildade”. “Mesmo diante da falta de incentivo dos clubes, este é o único caminho para se destacar”.
Em tom de brincadeira, a jogadora foi questionada sobre o que acha da mudança do Estádio Rei Pelé, para Estádio Marta Vieira da Silva. Bem-humorada e esbanjando simplicidade, a rainha do mundo da bola devolveu como uma tabelinha perfeita: “ainda tenho muita estrada para ser uma ‘Rainha Pelé’. Ele é o mais importante. Ainda tem muito chão pela frente que espero percorrer”, sentenciou. Na hora de plantar as impressões, ao som do Hino de Alagoas, a jogadora não conteve as lágrimas e voltou a classificar o Hall da Fama como uma das maiores homenagens já recebidas.