A nomeação do ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine para a presidência da Petrobras foi apresentada pelo governo como reconhecimento pelo seu trabalho à frente de uma das maiores instituições financeiras brasileiras. Mas também pode ser vista como uma espécie de presente de grego.
Bendine assume a estatal no que é provavelmente o ponto mais baixo da sua história e não será fácil conduzi-la em meio a crise desatada pelas repercussões da Operação Lava Jato. Para piorar, seu nome foi mal recebido por alguns analistas do setor e pelos mercados – as ações da estatal na bolsa caíram mais de 7% nesta sexta-feira, após sua indicação "vazar" para a imprensa.
"A nomeação de Bendine é frustrante porque ele é um funcionário de carreira do Banco do Brasil próximo ao governo – ou seja ‘mais do mesmo’", opina Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
"Provavelmente a presidente não conseguiu que alguém do mercado topasse o desafio de tirar a empresa desse imbróglio. Mas Bendine não terá a autonomia necessária para tomar decisões que priorizem a saúde financeira da Petrobras em vez de interesses do governo."
Em Belo Horizonte, onde participou de um evento em comemoração aos 35 anos do PT, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, minimizou a importância da má recepção do nome do ex-presidente do Banco do Brasil pelo mercado. "Às vezes (o mercado) faz avaliações que depois não se confirmam", disse.
Abaixo, confira quais serão os principais desafios a serem superados pelo novo presidente da Petrobras:
‘Choque’ de credibilidade
Desde setembro, a estatal perdeu dois terços de seu valor na bolsa de São Paulo em função da crise em que está mergulhada.
Bendine precisará restaurar a confiança de parceiros e investidores – o que não será tarefa fácil, a julgar pela queda no valor das ações da empresa provocada pelo anúncio de sua nomeação, nesta sexta-feira.
Essa reconstrução da credibilidade passa, em parte, por evitar que a empresa perca o grau de investimento, o que dificultaria a captação de recursos para grandes projetos.
Analistas dizem que o novo presidente precisará ter uma postura firme de colaboração com a investigação da Lava Jato, mas também deve ser rápido em sinalizar que o escândalo não continuará a ‘paralisar’ as atividades da empresa.
Também há certa apreensão sobre como ele responderá às pressões políticas. Para alguns analistas, as finanças da Petrobras sofreram nos últimos anos em função de a companhia ter subordinado sua política de preços ao interesse do governo de segurar a inflação.
O fato de Bendine ter afirmado, em algumas ocasiões quando era presidente do Banco do Brasil, que o papel do banco público "não é dar lucro", alimenta algumas dúvidas sobre se ele priorizará a saúde financeira da Petrobras em suas decisões, como ressalta Pires.
Restaurar a moral dos funcionários
Por muito tempo, trabalhar para a Petrobras foi motivo de orgulho. Hoje há funcionários que escondem símbolos da empresa ao sair de sua sede, no centro do Rio, para evitar comentários desagradáveis.
Há um desânimo entre técnicos que, aos olhos da sociedade, deixaram de ser parte de uma das empresas mais eficientes do país para serem funcinários de uma "máquina de desviar recursos".
O novo presidente precisará reverter esse pessimismo para conseguir os melhores resultados dos quadros da estatal.
Calcular as perdas
A Petrobrás ainda não conseguiu calcular com exatidão como o esquema de corrupção afetou seu patrimônio. Na quinta-feira, por exemplo, o ex-gerente de serviços da Petrobras, Pedro Barusco, disse em delação premiada que só o PT teria embolsado US$ 200 milhões em propina – o que foi negado pelo partido.
Segundo analistas, a posição de Maria das Graças Foster na presidência da empresa teria ficado insustentável depois que ela apresentou uma estimativa preliminar de que seus ativos estariam superestimados em R$ 88 bilhões.
Essa conta, porém, não distingue quanto desses recursos foram desviados e quanto diz respeito a problemas na execução de projetos ou a mudança no câmbio.
Na ausência de uma estimativa do estrago, a auditoria PricewaterhouseCoopers se recusou a assinar o balanço da empresa. E, sem resultados auditados, fica difícil para a Petrobras captar recursos e atrair investidores. Parte dos seus credores também pode pedir o vencimento antecipado de suas dívidas e a empresa pode perder o grau de investimento.
"Fazer esse cálculo do estrago o mais rápido possível é essencial para que a Petrobras deixe esse escândalo de corrupção de lado e se concentre no que sabe fazer melhor: explorar petróleo. A Lava Jato é assunto para a polícia, não pode paralisar as atividades da empresa", diz Wilber Colmerauer, diretor do Emerging Markets Funding em Londres.
Redefinir investimentos
Além do aumento da dificuldade para captar recursos, a Petrobras também está tendo de lidar com a queda dos preços do petróleo – dois fatores que contribuem para que seja necessária uma redefinição dos atuais planos de investimento da empresa.
A estatal também terá de procurar novos parceiros para concluir seus projetos agora que proibiu a contratação de 23 empresas envolvidas na Lava Jato – lista que inclui boa parte das grandes construtoras brasileiras.
Para Paulo Paiva, da Fundação Dom Cabral, é possível que o marco regulatório do Pré-Sal tenha de ser revisto.
"A Petrobras acabou ficando com uma parcela muito grande dos projetos e, agora que sua situação financeira se complicou, deve precisar de mais parcerias para avançar em seus planos de investimento", diz.
Lidar com investigações nos EUA
O novo presidente terá de conduzir a defesa da Petrobras frente a tribunais e instituições reguladoras americanas.
A estatal está sendo processada por acionistas minoritários e detentores de seus títulos no Tribunal Distrital de Nova York e investigada pela Securities Exchange Comission (SEC) – a Comissão de Valores Mobiliários americana – e pelo Departamento de Justiça dos EUA.
Para evitar multas e a responsabilização de seus executivos a empresa terá de provar que foi "vítima" do esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato, e não conivente com ele.
Nos últimos anos, companhias estrangeiras como a alemã Siemens, a francesa Total e a japonesa JGC Corporation, receberam multas milionárias nos Estados Unidos após serem acusadas de corrupção.
Aprimorar a governança corporativa
O escândalo da Lava Jato lançou uma nuvem de incertezas sobre os mecanismos de governança corporativa da Petrobras ao sugerir que seus controles não são suficientes para evitar fraudes e abusos.
O novo presidente terá de fazer uma apuração para entender como um esquema de corrupção dessa escala conseguiu se instalar na empresa e o que deve ser feito para que isso não volte a acontecer no futuro.
"O pior é que essas suspeitas sobre a governança corporativa da Petrobras prejudicam também outras empresas brasileiras listadas em bolsa", diz Michael Viriato, professor do Insper.
"Se nem os controles da estatal funcionaram, porque os investidores vão acreditar que os de outras empresas brasileiras funcionam?"