Uma pessoa, em especial, deve ter se entristecido diante da cena lamentável vista em Paris nessa terça, dia do jogo contra o PSG pela Champions, quando fãs do Chelsea impediram um negro de entrar no metrô. Paul Canoville, primeiro jogador negro contratado pelos ingleses, em 1981, quando o clube já tinha 76 anos de vida. Ao fechar os olhos, o ex-atacante, hoje com 52 anos, deve se lembrar como se fosse hoje de quando estreou pelos Blues, sob gritos racistas vindo da própria torcida.
Quando ele saiu do banco para se aquecer e entrar no jogo contra o Crystal Palace em abril de 1982, quatro meses após ter sido contratado, o pesadelo de sua vida começou. Aos 20 anos, Canoville ouviu as palavras duras vindas da torcida. "Senta, seu preto. Vá se f…." Na sequência, começaram um cântico, novamente ofensivo. "Nós não queremos o negro! Nós não queremos o negro, la la la la!" Para completar, uma banana caiu ao lado do seu pé.
"Eu me senti fisicamente doente. Eu me senti totalmente desnorteado. Neste dia, eu não sei como voltei para casa. Eu morava em Slough (cidade que fica a cerca de 30 quilômetro de Londres). Eu não acredito que tenha pegado o metrô. Devo ter conseguido uma carona, mas não sei de quem. Só sei que eu estava assustado. Seria o fim? O Chelsea vai dizer que é um risco e que não podemos continuar com isso? Um monte de coisas passaram pela minha cabeça", contou Canoville em entrevista ao jornal Daily Mail em 2009.
O ex-jogador contou ao jornal inglês que mesmo quando ele marcava gols as ofensas continuavam. "Ainda está 0 a 0. O negro marcou. Não conta", diziam os racistas. Canoville conseguiu criar barreiras e silenciar o racismo, com muito esforço. Mas ele também era ofendido no vestiário. E foi assim que encerrou sua trajetória de quatro anos e meio nos Blues, em 1986, depois de ser ofendido por um colega de equipe. O que o Chelsea fez? Providenciou sua transferência para o também inglês Reading, por 50 mil libras, mesmo ainda restando três anos de contrato.
"Eu ainda me pergunto como suportei e lidei com tudo aquilo. Normalmente, sou o tipo de pessoa que digo na hora quando não gosto de alguma coisa. Mas não fiz isso. Ser jogador de futebol era meu sonho. Lá estava minha chance. Eu estava começando tarde e me perguntava se era bom o suficiente. Mais tarde, na vida, abri meus olhos. Foi triste. Olhando para trás, o Chelsea deveria ter feito mais por mim. Não pensei isso naquele momento, mas vendo agora, sim, eles realmente deveriam", completou.
Uma grave lesão no joelho colocou um ponto final na carreira de Canoville precocemente, em 1991. No Chelsea, foram 15 gols marcados em 103 jogos. Pai de 11 filhos – um deles morto com poucos dias de vida por uma deficiência no coração -, lançou sua autobiografia em 2008, intitulada "Black and Blue", que contou como ele sobreviveu não só ao racismo, mas às drogas e ao câncer e que foi digna de muitos prêmios.
O racismo pode ser menos escancarado atualmente, mas está longe de deixar de existir, passados 33 anos do triste episódio com Canoville. Nem o fato de o Chelsea contar com 11 negros em seu elenco principal – entre eles Drogba, ídolo máximo do clube, fazem seus torcedores deixarem o preconceito racial para trás. Hoje, o time de negros no elenco principal do clube inglês conta, além do marfinense, com John Mikel, Loic Remy, Willian, Cuadrado, Ruben Loftus, Isaiah Brown, Jamal Blackman, Kurt Zouma, Nathan Ake e Ramires.