As imagens do estudante Humberto Moura Fonseca, de 23 anos, participando de uma maratona de bebida na InterReps, em Bauru (SP), reacenderam as discussões sobre a relação abusiva do jovem com o álcool. Morto no dia 28 de fevereiro, o universitário teria ingerido 25 doses de vodca. Para alguns, a tragédia representa o extremo do consumo irresponsável. Entre relatos ouvidos pelo iG, no entanto, jovens desafiam rotineiramente os limites do coma alcoólico e colecionam orgulhosos as experiências de “perda total”.
Com o carro abastecido de cerveja e vodca, o estudante de fisioterapia A. V. e amigos decidiram de última hora que pegariam a estrada de São José dos Campos (SP) e seguiriam a Brasópolis (MG) para a “Mil e Uma Noites”, festa dos estudantes de engenharia da Unip. Após 130 km, todos chegaram ao sítio “calibrados”. Um dos jovens, com 22 anos, começou a passal mal e foi visto chamando pela mãe.
“Mais tarde, umas 3 horas da manhã, estava com muito sono. Nem sei o quanto tinha bebido. Como o carro estava trancado, encostei na lateral e dormi em pé. Um pessoal viu a cena e me levou para uma barraca”, narra o estudante. Horas depois, os amigos decidiram acordá-lo. “Não conseguiram. Apaguei e eles colocaram um litro de cachaça na minha boca. Sequei a garrafa e não acordei mais”, relembra aos risos. V. diz ter acordado 40 horas depois ao lado de um lago artificial, queimado de sol e usando a bermuda de um desconhecido.
V. reconhece que precisou das testemunhas para entender o que ocorreu. E até hoje consegue lembrar apenas da ressaca. Isso não o impediu de voltar a frequentar festas dias depois. “A melhor maneira de curar a ressaca é começar a beber de novo.” Na festa universitária seguinte, que começou em São José dos Campos, ele ficou bêbado e acordou na casa de desconhecidos em Cachoeira Paulista, munícipio distante 115 km.
“Ninguém sabia como eu tinha parado ali. Acredito que tenho um anjo da guarda muito forte. Desde os meus 14 anos vivo situações assim e nunca aconteceu nada grave”, conta orgulhoso. E continua: “Tive uma fase muito bem aproveitada”.
“Um dia você cuida, no outro é cuidado”
Para L. B., de 25 anos, sua relação com o álcool é de controle. Estudante de comunicação social da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, ele defende que suas experiências de coma alcoólico ocorreram apenas quando decidiu cruzar o próprio limite. “Uma decisão completamente consciente”, explica. Por isso, seus hábitos não podem ser tratados como vício – só exagera aos finais de semana.
Ele conquistou o pior “PT” após tomar 24 doses de tequila na festa “Caminhos da Perdição”, organizada pelos alunos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), em Piracicaba (SP). Famosa na região, a festa oferece tequila, cerveja e caipirinhas open bar – bebida liberada para todos. “As doses eram menores. Mas apaguei e precisei ser levado ao hospital”, conta o estudante, que só descobriu o ocorrido após acordar na casa da namorada no dia seguinte.
A experiência também não mudou a forma de B. lidar com festas e baladas. Dias após o caso, ele voltou a beber tequila e garante que não criou aversão à bebida. “Vou para o meu limite, mas não vou entrar numa dessa de beber até morrer. Cuido de mim e dos meus amigos. Sempre falamos: um dia você cuida, no outro é cuidado”, explica, reconhecendo que os episódios de exageros fazem parte da rotina.
Jovens tomam quatro doses em duas horas
Para Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), o hábito dos jovens desperta a necessidade de criação de políticas de prevenção. “O jovem tem uma ideia impregnada de que o álcool serve para divertir. Sem beber, não se diverte. Isso ocorreu pela propaganda, nossa cultura e falta de políticas de prevenções e tratamento”.
Segundo dados do órgão, jovens ingerem em média, quatro doses em duas horas. As universidades, segundo ela, deveriam assumir as responsabilidades pelos estudantes, principalmente durante os “rituais descontrolados”, como as festas promovidas por repúblicas, oferecendo programas de proteção ao aluno. “Precisamos afastar os botecos das portas das faculdades”, diz a especialista, enfatizando o que já é feito nos entornos de escolas de ensino fundamental e médio.
O problema não está restrito aos ambientes universitários, pondera Ana Cecília. Em levantamento de 2012, o órgão revelou que a experimentação de bebida alcoólica no Brasil acontece entre adolescentes de 13 e 14 anos. Esse envolvimento precoce traz doenças relacionadas ao vício para uma nova faixa etária. “Hipertensão, AVCs, alteração de memória. Doenças que a gente encontrava em homens de 45 anos, hoje vemos em jovens de 25 anos.”
25 anos e ameaça de cirrose
A trajetória do músico L. L. é prova da consequência do alcoolismo precoce. Após o primeiro porre aos 15 anos, “algo totalmente irresponsável da idade”, ele não imaginava que dez anos depois não poderia ingerir qualquer gota de álcool. Após sentir-se mal com o excesso de peso e fadiga, passou por exames e enfrentou um diagnóstico preocupante no mês passado. “Se eu continuasse no mesmo ritmo, teria cirrose em no máximo um ano”.
Morando sozinho em São Paulo, então com 23 anos, L. bebia cerveja no horário do almoço, no happy hour após o trabalho, ao chegar em casa e durante a madrugada. “Em um dia comum, tomava umas três garrafas de cerveja de 600 ml. Fui bebendo sem perceber. Em dois anos, destruí meu fígado”, conta. A notícia de que o corpo já não aguentava os excessos o fez largar completamente o álcool e o cigarro.
“O problema do álcool é que ele é muito social. Quase tudo que você quer fazer à noite tem a ver com bebidas. O jeito é pedir cerveja sem álcool ou sucos. Estou tentando me acostumar com isso”, desabafa o músico, assumindo que pode procurar ajuda caso não consiga abandonar os antigos hábitos sozinho.
Uma forma positiva de lidar com a nova rotina, ele conta, é não esconder o problema de saúde na roda de amigos. “Não gosto de ficar criando drama ou escondendo. Penso que talvez posso conscientizar os meus amigos e pedir para eles pegarem mais leve com isso”.