A tarifa média de água paga no país varia até 158% entre os estados e as diferenças de preços pelo país pouco refletem a atual crise hídrica, que afeta sobretudo o Sudeste e o Nordeste. Dados do governo mostam que populações de locais onde o abastecimento está mais prejudicado ou ameaçado pagam comparativamente até menos pela água tratada que moradores de regiões que não estão sendo prejudicadas pela estiagem.
Segundo o levantamento mais atualizado do Ministério das Cidades, a maior tarifa média praticada no país é a do Rio Grande do Sul (R$ 4,18 por metro cúbico), enquanto a menor é a do Maranhão (R$ 1,62/m3). Estados como Minas Gerais e São Paulo, com níveis críticos de água nos reservatórios, aparecem apenas na 19ª e 20º posição, respectivamente.
O Sudeste é a região com a tarifa média mais baixa do país, de R$ 2,45/m3. O Centro-Oeste é a que pratica a mais alta (R$ 3,19/m3), seguida por Sul (R$ 3,16/ m3), Nordeste (R$ 2,59/ m3) e Norte (R$ 2,56/ m3). Os dados são do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto de 2013, divulgado no final do ano passado, mas o cenário pouco tem se alterado nos últimos anos.
Na Sabesp, por exemplo, que em dezembro de 2014 recebeu autorização para um reajuste de 6,94%, a tarifa média é de R$ 2,91/m³ – valor inferior ao da tarifa média de outros 11 estados em 2013.
Segundo o levantamento, o reajuste médio das tarifas do país foi de 6,9% em 2013 acima da inflação, que foi de 5,91%. Já as despesas subiram, em média, 10,3% em relação ao valor de 2012.
Tarifa x custo
Além das variações de estado para estado, os dados do levantamento apontam para um certo desequilíbrio entre as tarifas praticadas e as despesas com a operação de captação, tratamento e distribuição de água.
Entre as 27 unidades da federação, 13 estados e o Distrito Federal tinham em 2013 uma despesa total média maior que a tarifa média. Em 2012, eram 15 estados nesta situação. No Pará, Roraima e Acre essa diferença chegou a mais de 50%.
“Despesas totais médias superiores às tarifas médias praticadas indicam dificuldades em manter a sustentabilidade dos serviços, comprometendo a qualidade”, alerta o estudo do Ministério das Cidades.
A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que atende 320 dos 497 municípios do estado, diz que a arrecadação na maioria das cidades não cobre os custos.
“Nós temos uma tarifa que é única para todo o Rio Grande do Sul e essa tarifa tem que ser uma tarifa ajustável à capacidade de pagamento das pessoas. A nossa conta média hoje é R$ 60. E não podemos cobrar R$ 200, R$ 300 de uma pessoa que não possa pagar em uma cidadezinha pequenininha”, afirmou ao G1, em janeiro, o superintendente de gerenciamento de expansão Corsan, José Homero.
O secretário nacional de saneamento ambiental, Paulo Ferreira, avalia que, embora existam casos em que a tarifa esteja “totalmente distorcida”, é preciso analisar individualmente a situação de cada companhia, uma vez que em muitos municípios o serviço de distribuição de água é feito através de autarquias municipais.
“A tarifa é um ponto importantíssimo. Se a empresa não tiver uma tarifa equilibrada, ela não terá capacidade de investimento. E quando não tem essa capacidade, o estado acaba tendo de subsidiar”, diz. “No Piauí, por exemplo, claramente tem de ter subsidio. Mas, na minha visão, nos estados do Sul e Sudeste a tarifa está suficiente equilibrada, porque todas as empresas têm capacidade de investimento”, acrescenta.
A Sabesp, que tem capital aberto e atende 364 municípios no estado de SP, entrou este mês com um pedido de revisão extraordinária na Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), mas a proposta ainda será submetida a consultas públicas e não há previsão de quando haverá uma decisão sobre o assunto.
“Uma vez comprovada a pertinência do pleito, e o risco ao equilíbrio econômico-financeiro, serão realizados os cálculos para definir novos níveis tarifários que levem em conta as variações não previstas por ocasião dos cálculos da tarifa em vigor, de modo a manter o equilíbrio econômico-financeiro até o final do ciclo tarifário (2017)”, informou a Arsesp.
Política de preços
Diferente do que ocorre no setor elétrico, as tarifas dos serviços de água e saneamento não são reguladas por uma agência federal. São definidas pelos municípios e estados através de agências reguladoras. Ou seja, muitas vezes acabam sujeitas a conveniências políticas.
“Com o passar do tempo a situação foi se agravando porque passamos longos períodos inflacionários e as tarifas não foram reajustadas na mesma medida. Independente das peculiaridades de cada local, a tarifa está muito defasada, não reflete os custos”, diz Jaildo Santos Pereira, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e coordenador da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH).
O pesquisador explica que o modelo de composição das tarifas de água no país data ainda da década de 60 e foi desenvolvido de forma a refletir o custo médio de operação em cada estado.
Ele destaca que a tarifa não está associada à abundância de reservatórios na região, mas sim aos custos de captação, tratamento e distribuição. “Cada sistema tem uma estrutura própria de custos porque depende da água que está captando, a distância, a barreira topográfica a vencer e o custo de energia”, diz Pereira.
‘Água é muito barata no Brasil’
Jaildo Santos Pereira defende uma recomposição nos valores cobrados pelos serviços de distribuição de água no país de forma a garantir um maior volume de investimento no setor.
“Pagamos muito barato pela água comparado a outros países, e isso estimula o desperdício, pois passa a ideia de que a água é uma coisa mágica, infinita, que basta abrir a torneira e ela cai”, afirma Pereira. “Na minha casa a conta de água chega às vezes a ser 6 vezes mais barata do que a conta de energia. Isso não é coerente”, opina.
Segundo ele, a crise hídrica, embora comparável à de energia, não recebe a mesma atenção em termos de discussão sobre o custo da operação e necessidade de reajustes extraordinários.
“No setor elétrico, houve alteração no custo do fornecimento de energia e as tarifas aumentaram. Estamos sob bandeira vermelha. Mas não vemos nenhum comentário do tipo em relação à água. É uma irracionalidade”, critica.
Além de uma revisão da legislação e das políticas tarifárias, Pereira defende que as contas de água passem a informar o custo real da água em cada localidade, uma vez que muitos consumidores pagam bem abaixo do custo do serviço.
“É preciso atacar também o lado da demanda. É necessário sinalizar para o usuário o real custo da água”, diz o pesquisador. “Já os estados deveriam criar fundos para financiar novos investimentos e para evitar que de tempos em tempos as companhias precisem ser socorridas pelos cofres públicos como acontece hoje, completa.
Comparativo com outros países
O secretário nacional de saneamento ambiental diz que o custo de energia ainda é bem superior no país ao de distribuição de água e defende que a discussão sobre tarifa leve em conta também a eficiência de gestão das empresas.
“As agências reguladoras devem levar em conta na definição das tarifas a incidência da crise hidrica, mas também não podem jogar no consumidor o custo da ineficiência da ausência de planejamento”, afirma Ferreira, destacando que tarifas mais elevadas não necessariamente refletem melhor qualidade do serviço e capacidade de investimentos.
Ele destaca, ainda, que, por se tratar de um bem vital, é comum o serviço de distribuição de água ser subsidiado nos países.
“A tarifa média no Brasil é em torno de U$ 1 e US$ 1,20 o metro cúbico. Na Áustria é US$ 1,05/m3, nos EUA está US$ 1,25/m3. Já na Holanda é US$ 3,16/m3. Quando você olha a Hungria, a tarifa é US$ 0,45/m3, claramente subsidiada”, diz, citando dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).