O Poder Judiciário concedeu tutela antecipada e acatou o pedido feito pelo Ministério Público Estadual em janeiro deste ano, obrigando a Assembleia Legislativa de Alagoas a repassar, mensalmente, todo o dinheiro que é retido do Imposto de Renda dos deputados e servidores públicos da Casa de Tavares Bastos. Mensalmente, cerca de R$ 2 milhões são retidos na fonte e não chegam ao Tesouro Estadual, impedindo que o Poder Executivo invista tais recursos em políticas públicas de saúde e educação, por exemplo. Somente entre os anos de 2010 e 2014, aproximadamente R$ 100 milhões não foram repassados ao Estado.
A ação civil pública com pedido de tutela antecipada contra a Assembleia Legislativa de Alagoas foi ajuizada no dia 16 de janeiro deste ano e ocorreu porque aquele Parlamento não estava repassando à Secretaria Estadual da Fazenda o Imposto de Renda recolhido dos membros e servidores. O prejuízo aos cofres públicos ultrapassou os R$ 77 milhões no período de R$ 2010 a 2013 e, em 2014, houve mais R$ R$ 24 milhões que deixaram de ser repassados.
No pedido feito à 17ª Vara Cívil da capital – Fazenda Pública -, o MPE/AL solicitou que fosse concedida a antecipação de tutela para fins de obrigar a ré ao imediato recolhimento do Imposto de Renda junto ao Tesouro Estadual, e, em caso de descumprimento, a cominação de multa diária, direcionada ao presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas ou ao agente público que deu causa, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
O MPE/AL também solicitou que, caso seja concedida a medida cautelar, o Legislativo tenha a obrigação de remeter ao Juízo, mensalmente, o comprovante de recolhimento à Sefaz do IRPF retido na fonte, até o julgamento final da ação.
A decisão
Em sua decisão, o juiz Alberto Jorge Correia de Barros Lima reconheceu todas os argumentos apresentados pelo Ministério Público e determinou à presidência do Parlamento a obrigatoriedade de efetuar o correto repasse de imediato, já a partir deste mês de abril. “Embora o IRPF se trate de um tributo instituído pela União, o produto da sua retenção obrigatória nas folhas de pessoal dos órgãos públicos de âmbito estadual, deve ser tempestivamente recolhido aos cofres estaduais, no caso, à Secretaria de Estado da Fazenda, e, por consectário lógico, não se incorpora ao orçamento da fonte pagadora”, disse ele.
“Quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, vê-se a imediata necessidade da prestação jurisdicional, pois o descumprimento da obrigação de recolher ao Tesouro Estadual valores retidos na fonte dos membros e servidores da Assembleia, a título de Imposto de Renda, vem causando forte prejuízo ao erário em decorrência da redução na arrecadação tributária com todos os consectários lógicos: prejuízo para segurança pública, para saúde, educação etc, o que se tem como gravíssimo”, acrescenta o magistrado.
Em função do reconhecimento as provas acostadas aos autos pelo MPE/AL, Alberto Jorge determinou, além da obrigatoriedade do recolhimento dos valores do imposto, que a Sefaz transfira para a Assembleia o montante do duodécimo já descontada a parte relativa ao Imposto de Renda.
Além disso, a Secretaria da Fazenda terá que informar ao Juízo, mensalmente, os valores relativos do recolhimento ao Tesouro estadual correspondentes ao IR. O descumprimento da decisão implicará no pagamento de multa diária de R$ 1 mil aos agentes públicos envolvidos na ação, sem prejuízo da responsabilidade penal por crime de desobediência e em envio dos autos ao MPE/AL para apuração de responsabilidade por improbidade administrativa.
“Essa é uma decisão que satisfaz ao Ministério Público, haja vista que esse dinheiro do Imposto de Renda era uma das maiores fontes dos desvios de recursos da Assembleia Legislativa”, afirmou o promotor de Justiça Carlos Castro, coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público.
A ação do Ministério Público
As investigações que motivaram a ação tiveram início em julho de 2013, após aportarem no Ministério Público Estadual notícias de irregularidades na gestão da Assembleia Legislativa. Diante disso, houve a instauração do inquérito civil nº 001/2013 pela Procuradoria Geral de Justiça. Durante a apuração, que foi supervisionada pelo Núcleo de Defesa do Patrimônio Público, constatou-se que o Poder Legislativo estadual vinha sistematicamente descumprindo, pelo menos desde o ano de 2009, a obrigação de recolher ao Tesouro Estadual os valores descontados na fonte, de seus membros e servidores, a título de Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF.
“A ausência de recolhimento do produto dessa arrecadação – que, por expressa determinação constitucional (artigo 157, I, da Constituição Federal, e artigo 170, I, da Constituição Estadual), pertence ao Estado de Alagoas – vem implicando supressão de receita em valores crescentes, atualmente superiores a R$ 77.349.264,25 (setenta e sete milhões, trezentos e quarenta e nove mil, e duzentos e sessenta e quatro reais e vinte e cinco centavos), sendo R$ 8.337.290,96 em 2009, R$ 15.248.000,00 em 2010, R$ 16.212.229,03 em 2011, R$ 18.389.479,02 em 2012 e R$ 19.162.265,24 em 2013”, disse a petição da ação civil pública.
A Procuradoria Geral de Justiça chegou a esses números por meio de documentos encaminhados pela própria Assembleia, através do ofício nº 066/2014, da Presidência daquela Casa. Nele, foram juntadas as DIRF (Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte) referentes a cada um desses anos. Em 2014 também não houve qualquer recolhimento do imposto.
“Além da indiscutível frustração de uma fonte de receita do orçamento estadual, essa ilegal omissão vem gerando repercussões no cômputo da arrecadação e diminuição da base de cálculo da Receita Corrente Líquida do Estado de Alagoas, com implicações negativas nas transferências obrigatórias para educação e saúde, bem como nos investimentos nas demais áreas de atuação do Estado, como segurança pública, assistência social, contratação de pessoal e concessão de reajustes ao funcionalismo, decerto prejudicando a coletividade. Por outro lado, esses vultosos valores que deixaram de ser recolhidos foram integralmente gastos pelos gestores daquele órgão, sem que existisse previsão de crédito correspondente no orçamento da ALE. Os vários milhões de IRPF descontados dos pagamentos já realizados aos servidores e membros do Poder Legislativo jamais poderiam ser destinados à liquidação de novas despesas públicas, afinal, os recursos financeiros oriundos da retenção não podem ser posteriormente utilizados pelo ordenador de despesas da Assembleia, em face da inexistência de dotação específica e suficiente nos seus orçamentos que, indubitavelmente, vem sendo ilegalmente executado”, detalhou outro trecho da ação.
Recomendação do MPE/AL e utilização ilegal do dinheiro
Diante das irregularidades descobertas, o Ministério Público Estadual expediu, em 14 de julho do ano passado, a Recomendação nº 1/2014, direcionada ao então presidente daquele Poder, deputado Fernando Toledo, para que ele cumprisse a obrigação constitucional em questão. Porém, ele não acatou as providências sugeridas pelo MPE/AL e permaneceu violando os termos da Lei nº 4.320/1964 e da Lei Complementar nº 101/2000, haja vista que os recursos retidos em folha (que não têm base orçamentária) continuaram sendo ilegalmente utilizados, desconsiderando não haver condições para assunção de novas despesas e obrigações. Novos pagamentos irregulares foram autorizados, causando evidentes danos ao patrimônio público do Estado de Alagoas.
Inclusive, na ocasião do envio da Recomendação, a Presidência do Legislativo confessou a prática inconstitucional e ilegal de retenção indevida. “Reiteramos que, por força de disposição constitucional, o Imposto de Renda devido pelos servidores públicos estaduais, retido na fonte, passa a compor os cofres da unidade arrecadadora respectiva, tendo em vista que o agente estadual, quando efetua a retenção, age no exercício de competência própria, e não delegada. Dessa forma, a Assembleia Legislativa, ao reter o IRRF, incorpora-o à respectiva receita pública, o qual passa a compor a sua parcela duodecimal. Nesse contexto, acha-se impedida de efetuar o recolhimento recomendado por esse Ministério Público, que importaria num montante mensal aproximado de 1.981.780,84 (um milhão, novecentos e oitenta e um mil, setecentos e oitenta reais e oitenta e quatro centavos)”, alegou o presidente Fernando Toledo, em resposta ao Ministério Público.
“Como se vê, a Presidência daquela Casa confessa a prática inconstitucional e ilegal, e confirma sangrar a Receita Estadual em quase 2 milhões de reais ao mês, acrescendo ilegalmente ao seu orçamento essa receita que não lhe é devida”, revelou mais um parágrafo da ACP.
A ação foi ajuizada pelo procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, e pelos promotores de Justiça José Carlos Castro, Luciano Romero da Matta Monteiro, Napoleão Amaral Franco, Vicente José Cavalcante Porciúncula, Norma Sueli Tenório de Melo Medeiros e Carlos Omena Simões.