Os cinco policiais militares acusados de executar a tiros dois pichadores, há quase um ano, em São Paulo, disseram que as vítimas são eles e não os rapazes que morreram. Os agentes se consideraram os coitados do caso e negaram as execuções. Alegaram que foram recebidos a tiros pela dupla e atiraram somente para se defender.
Os policiais contaram que na noite do dia 31 de julho de 2014, Alex Dalla Vecchia Costa, de 32 anos, e Ailton dos Santos, de 33, invadiram o Edifício Windsor, na Mooca, na Zona Leste, com o objetivo de roubar e não o de pichar. Por lei, pichação é vandalismo e crime ambiental.
Segundo os policiais, os dois estavam armados, respectivamente, com revólver calibre 38 e pistola 380, e não desarmados, portando apenas sprays de tinta, como os familiares dos mortos disseram à Polícia Civil.
O tenente Danilo Keity Matsuoka, de 28 anos, o sargento Amilcezar Silva, de 45, os cabos Adilson Perez Segalla, 41, Robson Oliva Costa e André de Figueiredo Pereira, 35, conversaram com a equipe de reportagem após terem sido soltos pela Justiça, na última quarta-feira (13). Eles foram afastados das ruas pela corporação e agora só trabalham administrativamente.
Aceitaram falar com a equipe de reportagem sob a condição de que seus rostos não fossem mostrados, alegando que essa exposição poderia colocar em risco a segurança das suas famílias.
‘Vítima’
Eles vão responder em liberdade aos processos militar e criminal no qual são réus acusados dos assassinatos dos pichadores no apartamento do zelador, no 18º andar.
De acordo com o Ministério Público (MP), os policiais simularam uma falsa troca de tiros, ‘plantando’ armas nas mãos de Alex e Ailton. Câmeras de segurança que gravaram a entrada dos pichadores e dos PMs no prédio não mostram o tiroteio. Dependendo do resultado das apurações, os policiais podem ser expulsos da Polícia Militar (PM) ou presos.
Segundo os acusados, os pichadores teriam dado três disparos contra eles, que revidaram com oito tiros. A acusação informou que Ailton e Alex foram mortos, cada um, com três tiros no peito. Apenas um dos cinco PMs ficou ferido – atingido por um disparo feito por um colega de farda.
“A mídia passa muito a imagem do pichador, né? Do coitado. Mas na verdade a vítima desse caso todo somos nós, né? Somos nós. Os moradores do prédio são as vítimas. Não são os rapazes que morreram”, disse o tenente Danilo. “A vítima disso tudo é a própria sociedade, e nós como policial, entendeu? Tá invertido aí a história aí. O coitado na verdade somos nós. A gente praticamente dá a vida pela população, entendeu? E o que a gente tem em troca? Uma calça bege, uma camiseta amarela e uma jaula?”.
Danilo é tenente da Força Tática da PM, assim como Adilson, que é cabo lá. Esses dois policiais são acusados de assassinar o pichador Ailton no quarto do zelador, crime que eles negam. Reforçam que foram até o local após receber chamado pelo rádio para atender ocorrência de ‘roubo em andamento’.
Disseram ainda que quando chegaram ao prédio, funcionários haviam dito que os suspeitos do crime eram dois jovens que invadiram o local fingindo ser moradores, justamente Ailton e Alex.
‘Para que é polícia’
“A hora que entrei no apartamento, eu visualizei ele e comecei a gritar: ‘para que é polícia!’, a visão já fica em túnel, você só vê o perigo. E ao se aproximar dele, ele efetuou vários disparos na nossa direção”, disse o tenente Danilo, justificando que atirou na sequência para se proteger. “Ele atirou primeiro. A gente atirou para se defender. Foi o limite insuportável.”
“Sou um excelente policial, excepcional comportamento, e estou muito, sabe… as prisões que a gente sofreu, mexeu muito com o psicológico da gente. A gente ficou muito mal mesmo”, lamentou o cabo Adilson sobre ter ficado preso.
O sargento Amilcezar, da Força Tática, e o cabo André, das Rondas Ostensivas Com Apoio de Motocicletas (Rocam), são acusados de executar o pichador Alex na cozinha do zelador. Assim como seus colegas de farda, esses policiais também refutaram o crime de homicídio doloso atribuído a eles.
“Quando eu entrei nessa porta, eu já deparei com um indivídio, e esse indivíduo efetuou disparos. Por isso eu efetuei disparos”, contou o sargento Amilcezar sobre o momento que entrou no apartamento onde, segundo ele, estava Alex.
“Cabe salientar que o sargento foi baleado no braço esquerdo e eu acredito que possivelmente tenha saído da minha arma esse disparo”, disse o cabo André sobre o laudo ter apontado que a bala que feriu o sargento saiu de uma pistola .40 – arma usada pela PM.
Rendição
Mesmo sem ter dado um tiro sequer, o cabo Robson, que também pertence a Força Tática, é acusado pelo MP de participação na execução. A acusação é a de que ele rendeu Ailton e Alex antes deles terem sido executados. “Abordei várias pessoas, mas jamais esses que veio [SIC] a trocar tiro com os amigos lá em cima”, respondeu Robson ao ser questionado se encontrou com os pichadores quando subia as escadas.
Os cinco PMs haviam sido presos preventivamente no dia 24 de abril deste ano, quando foram levados ao Presídio Romão Gomes da Polícia Militar (PM). Essa foi a segunda vez que a Justiça mandou soltar os policiais. Em agosto de 2014, quatro desses PMs ficaram 20 dias presos temporariamente até serem colocados em liberdade.
Um dia antes de serem soltos mais uma vez, os PMs foram levados ao prédio onde os pichadores acabaram mortos. A perícia realizou a reconstituição na última terça-feira (12) sem a participação dos acusados. Mesmo assim, os peritos fizeram a simulação do crime com base nas conclusões das investigações.
Um áudio que mostra a conversa por telefone entre Alex e Ailton também faz parte do processo. No diálogo, gravado pelos pichadores antes de irem ao prédio, eles combinam entrar no local. “Vamo fazê [SIC] aquele grandão lá de pastilha, moleque!”, diz um deles. Para a acusação, eles combinam de pichar. A defesa dos PMs tem outra leitura: que a dupla planejava o roubo ao edifício.
Defesa
Segundo a defesa dos PMs, Ailton e Alex já tinham passagens na polícia por outros crimes, e invadiram o Windsor com o intuito de praticar um assalto.
Em seguida, nas palavras do advogado João Carlos Campanini, os pichadores atiraram contra os agentes porque não queriam voltar à prisão. “Ao invés de materiais de pichação, spray, rolos de tinta, foram encontrados materiais de arrombamento, ferramentas de arrombamento, e também pertences do zelador.”
Quatro PMs foram denunciados por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima). Um quinto PM, Robson, também foi denunciado por ter participado das execuções, embora não tenha disparado contra as vítimas. Eles também são acusados de fraude processual.
“Os próximos passos da defesa dos policiais militares agora é provar que houve uma grande parcialidade na investigação, tanto do DHPP [Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa] quanto da corregedoria da polícia militar”, disse o advogado que defende os cinco policiais.
O G1 não conseguiu localizar os parentes de Ailton e Alex para comentarem o assunto e nem o zelador do prédio. No ano passado, a mãe de Alex criticou a ação policial que resultou na morte dos pichadores.
“Ele estava errado ali, né, pichando, estragando as paredes dos outros. Mas não era motivo para polícia, que defende a gente, matar. Por que não deram uma voz de prisão?”, disse Mara Dalla Vechia.