‘Suplementação não é milagre dos corpos sarados’, diz nutricionista

Especialistas apontam riscos à saúde no consumo indiscriminado de substâncias que aumentam o desempenho físico.

(Foto: Ilustração)
(Foto: Ilustração)

“É que Narciso acha feio tudo que não é espelho..”, já cantava Caetano Veloso sobre o mito grego que reforça o culto à vaidade. A crueldade vivida pelo mito, que se afogou em sua própria imagem, não se constitui em exceção e traduz facilmente uma preocupação cada vez maior da nossa sociedade em se sentir mais saudável, pelo menos, em frente a um espelho.

Com o estouro da moda das academias para adquirir o tão sonhado corpo das capas de revistas é preciso suar muito e adotar um hábito alimentar diferente. Ainda assim, o uso de vitaminas e suplementos alimentares se tornam cada vez mais populares por aqueles que desejam ter hipertrofia dos músculos, mas, paralelo a isso, seus riscos também são potencializados internamente no organismo como uma bomba-relógio.

É o que afirma um levantamento da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) divulgado no último domingo (24). A entidade alerta para um surto de problemas renais em jovens e adolescentes em um futuro próximo, todos ocasionados pelo uso indevido de tais substâncias.

“Muito se fala sobre os prejuízos renais com o uso de suplementos alimentares, porém, o seu uso indiscriminado e sem orientação pode levar ainda a problemas cardíacos, hepáticos, dentre outros”, alerta a nutricionista esportiva Paulliana Buarque.

Para a nutricionista, quando se fala em danos renais os suplementos proteicos mais citados são o Whey Protein (substância extraída do soro do leite) e a creatina (aminoácido presente em alimentos de origem animal), ambos bastante utilizados por praticantes de academias. “Para tomar como exemplo vamos usar a creatina, que é um dos suplementos mais temidos por ter uma grande relação com a creatinina, que é um marcador de função renal na clínica médica. Ela foi descoberta em 1832 e hoje é o nutriente mais estudado no âmbito esportivo, sendo utilizado não somente na prática esportiva, mas também em tratamentos de recuperação de pacientes cardíacos, com doenças neurológicas e neuromusculares. Ou seja, em doses adequadas o seu uso é seguro e traz benefícios”, assegura.

Paulliana Buarque reforça necessidade de orientação (Foto: Arquivo Pessoal)
Paulliana Buarque (à esq) reforça necessidade de orientação (Foto: Arquivo Pessoal)

De acordo com dados da Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri), no Brasil estima-se que cerca de 4 milhões de pessoas – 2% da população – consomem regularmente suplementos dos mais variados tipos. Os jovens entre 15 e 30 anos são os maiores alvos dessa indústria de alimentos e, juntos, são responsáveis por 80% das compras.

Esse crescimento do consumo é observado com atenção e cautela não só pelos profissionais de saúde, mas também por aqueles que realizam as orientações físicas. Para o fisioterapeuta Maurílio Silveira, pós-graduado em treinamento funcional e musculação da Movimento e Saúde, a falta de conhecimento dos alunos sobre a finalidade das substâncias é um risco que aumenta todos os dias.

“Eu trabalho com treinamento funcional e meu objetivo é a prevenção e reabilitação de lesões. Porém, é comum ver que alguns indivíduos que nunca praticaram atividades físicas já chegam perguntando ‘o que é bom’ para tomar… Eles acham que qualquer profissional da saúde está apto a prescrever suplementos, e não é bem assim”, afirma.

Maurílio explica que nos últimos anos o número de pessoas que chegaram até ele com essa mesma dúvida cresceu quase 80% de maneira alarmante. “São muitos. Não só alunos de musculação, mas já teve casos de alunos de Pilates [exercício de equilíbrio e elasticidade] que querem que eu oriente sobre quais suplementos tomar”, complementa.

Guerra da comida

As marcas que estão no mercado cada vez mais reforçam a necessidade de consumo desenfreado, que por vezes parece dispensar qualquer orientação médica. Em uma rápida pesquisa na internet pode-se obter vários sites e fóruns que sugerem quais produtos são “melhores”, a dosagem, e até o horário para tomar. É uma consulta informal que não leva em consideração as particularidade biológicas de quem vai consumir.

“É muito comum praticantes de atividade física que já fazem a matrícula na academia e vão comprando os suplementos indicados na maioria das vezes por um amigo ou por outros profissionais não capacitados. Eles chegam no consultório e o motivo da consulta é sempre o mesmo: ‘estou tomando ou quero tomar suplementos’, como se eles fossem o milagre dos corpos sarados”, diz Paulliana.

Bruno Vital é fisiculturista  e diz tomar suplementos de maneira regrada (Foto: Instagram/Arquivo Pessoal)
Bruno Vital é fisiculturista e diz tomar suplementos de maneira regrada (Foto: Instagram/Arquivo Pessoal)

Foi tomando uma decisão similar que o advogado Artur Viera de Melo, de 28 anos, acabou consumindo suplementos alimentares sem qualquer orientação médica. Praticante de atividade física desde os 15, Artur confessa que sempre foi de tomar albumina (proteína presente na clara do ovo) e BCCA (conjunto de aminoácidos) como complementos da musculação, além do próprio Whey Protein. “Parei mais porque me senti mal tomando. Umas dores de barriga estranhas, mas nada comprovado porque nunca fiz exames, mas acho que afetava os rins pois quando parei de consumir as dores cessaram. Acho que era excesso de proteína”, avalia o advogado.

Hoje, seguindo a orientação de um nutricionista e dentro de uma dieta, Artur mudou completamente a rotina alimentar e se tornou mais cauteloso quanto aos possíveis efeitos nocivos dos produtos. “Se eu tomar 100 gramas por dia é muito… Hoje eu só aconselho uma coisa, com acompanhamento faz bem, mas a maioria das pessoas tomam sem ele”, revela.

Fisiculturista disse nunca ter tido problemas (Foto: Instagram / Arquivo Pessoal)
Fisiculturista disse nunca ter tido problemas (Foto: Instagram / Arquivo Pessoal)

O mesmo rigor e cuidado é tomado pelo atleta de fisiculturismo Bruno Vital Melo. Ele precisa do corpo para ganhar as competições, então qualquer erro nesse sentido além de prejudicar a saúde pode ser ainda a linha tênue entre a vitória e a derrota. “Nunca tive problemas. Sempre consumi. Já tem uns 8 anos isso, e todos os suplementos sempre foram receitados”, diz o atleta.

Fiscalização

A facilidade para adquirir esses alimentos, sejam eles em farmácias ou em lojas de produtos naturais, e a fraca fiscalização sobre as marcas deixam sempre uma dúvida no quanto os danos à saúde do usuário, quase nunca revelados nas embalagens.

Ainda em 2014, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) resolveu aumentar o cerco sobre os produtos e proibiu 20 marcas de suplementos proteicos junto com outras 14 de suplementos alimentares. Mesmo assim, o número de estabelecimentos especializados aumenta a cada dia e a procura também.

“O nutricionista é o único capacitado para planejar a rotina alimentar de acordo com cada paciente incluindo o uso de suplementação quando necessário, então acredito que a prescrição médica não seria a solução para esse problema, até porque o uso de anabolizantes só deveria ser vendido sob ela, mas eles continuam sendo usados de forma indiscriminada”, informa Paulliana.

De maneira geral, os suplementos são indicados para atletas em competição e que possuem um gasto calórico de alto nível. De acordo com a nutricionista, todos podem tomar, incluindo idosos ou pessoas obesas, mas os nutrientes só podem ser receitados em cada caso. Enquanto isso ainda for ignorado, mais pessoas podem sucumbir às doenças sem saber.

Fique atento aos sintomas:

– alteração na pressão arterial

– taquicardia

– enjoo

– tontura

– desmaio

– dor de cabeça

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