O brasileiro Hiany Dipapidis, de 27 anos, morou no Reino Unido há seis anos e voltou para o Brasil durante a crise financeira internacional. Há dois meses, regressou a Londres. Os motivos são os mesmos que estão levando muitos brasileiros ao exílio voluntário em outro destino comum, Miami, nos Estados Unidos: crise econômica, desvalorização do real e insatisfação com o governo.
“A situação no Brasil está muito ruim. O PT governa para os pobres. O Aécio ia governar para a classe média. Isso sem falar na corrupção”, diz Dipapidis, que é entregador de pizza.
Desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff no ano passado e com a deterioração da economia, o Reino Unido vive uma nova onda de imigração de brasileiros, de acordo com associações de brasileiros e advogados especializados em imigração ouvidos pela BBC Brasil.
Eles destacam que os motivos não são apenas políticos: a crise econômica se acentuou desde então e a libra se valorizou no período.
“Desde novembro é absurda a quantidade de gente vindo para cá. O número de associados aumentou cinco vezes”, diz Carlos Mellinger, da Casa do Brasil – associação que auxilia brasileiros no Reino Unido.
“A libra está valendo quase R$ 5, o que beneficia quem manda dinheiro para o Brasil”, diz Carlos. “E muita gente é antigoverno, diz que não aguenta mais a ‘roubalheira'”, afirma.
É difícil precisar quantos brasileiros moram no Reino Unido porque parte deles é ilegal ou tem passaporte europeu – caso de Hiany Dipapidis, que tem cidadania grega.
Até o ano passado, Carlos estimava que houvessem 300 mil brasileiros no Reino Unido. Hoje, aumentou a estimativa para 350 mil – a maioria dos “novos” imigrantes, segundo ele, são brasileiros que já moraram no Reino Unido e retornaram.
O consulado do Brasil em Londres acredita que 135 mil brasileiros vivam no Reino Unido – a estimativa, no entanto, foi feita no final do ano passado e não foi atualizada desde então.
Vistos
O diretor da Abras (Associação Brasileira no Reino Unido), Laércio da Silva, atribui o aumento do número de imigrantes principalmente à situação econômica do Brasil – mas diz que também há fatores políticos.
Ele destaca que a crise fez com que aumentasse também o número de brasileiros querendo fazer pós-graduação no Reino Unido. Com o mercado de trabalho mais concorrido, elas buscam melhorar sua qualificação para conseguir um emprego no Brasil.
“Depois da eleição, principalmente as pessoas com nível melhor de educação se decepcionaram porque acreditaram que algo ia mudar. Estão cansados, há um grande número de pessoas que começou a ficar descrente”, diz Laércio da Silva.
Ele diz que, além dos estudantes de pós-graduação, também houve um aumento no número de brasileiros vindos de outros países europeus, onde a economia está demorando mais a se recuperar do que no Reino Unido.
Brasileiros não precisam de visto para entrar no país como turistas. Mas precisam de visto para poderem trabalhar, estudar ou ter os mesmos direitos de seus cônjuges – no caso destes serem cidadãos da União Europeia.
Segundo dados do Departamento de Imigração do Reino Unido, o número de vistos concedidos a brasileiros em 2014 foi de 6.712, comparável a níveis pré-crise.
Foi o ano em que foram concedidos mais vistos de trabalho no Reino Unido para brasileiros em pelo menos dez anos. Foram 1.163 no ano passado, ante 1.084 no ano anterior e 850 em 2012.
Em números gerais, o aumento na concessão de vistos teve início em 2012. Mas esse crescimento foi provocado principalmente pelos vistos de estudantes, impulsionado pelo programa Ciência sem Fronteiras.
‘Muito rico’
Os especialistas dizem que a nova onda de imigração brasileira, no entanto, ainda não é tão intensa quanto a que ocorreu há cerca de uma década – e que foi interrompida pela crise e o endurecimento da fiscalização de trabalhadores ilegais.
A advogada Victoria Nabas, especialista na área, afirma que o grande pico da imigração brasileira para o Reino Unido ocorreu após os atentados de 11 de setembro de 2001, quando tornou-se mais difícil ir para os Estados Unidos.
Segundo ela, com o endurecimento das regras também no Reino Unido por volta de 2005, a comunidade brasileira passou a crescer mais lentamente, mas só veio a diminuir com a crise de 2008, quando muitos brasileiros retornaram.
“Esses brasileiros ficaram alguns anos por lá (no Brasil) e agora estão voltando. Mas eles contaram para os amigos como era aqui, e por isso também tem muita gente nova chegando”, afirma.
“E depois da eleição foi uma loucura. Degringolou, porque muita gente não queria que a presidente fosse eleita e votou contra, e muitas dessas pessoas vieram porque não acham que vai melhorar. Reclamam da corrupção, economia, essas coisas”, completa.
Nabas diz ainda que há um novo perfil de imigrantes brasileiros no Reino Unido: os milionários.
Segundo ela, eles estão requisitando vistos de investidor no país – é preciso ter 2 milhões de libras (cerca de R$ 10 milhões) para isso. Em Miami, afirma, um visto semelhante custa US$ 500 mil (aproximadamente R$ 1,5 milhão).
“Quem vai para Miami é pouco rico. Quem vem para Londres é muito rico”, diz.
Economia
Mas Carlos Mellinger afirma que a maioria dos imigrantes brasileiros continua atuando nos mesmo setores tradicionalmente ocupados pelo grupo: limpeza, restaurantes, construção civil e o de motoboys.
Em situação ilegal no país, o pedreiro João (nome fictício) se mudou para Londres por causa da crise econômica – mas não culpa o governo pela situação.
“Aqui é mais fácil juntar dinheiro, mas sempre foi. Sou PT, votei na Dilma no primeiro e no segundo turno, mas as coisas no Brasil estão muito caras. E aqui, com a libra mais cara, consigo mandar mais dinheiro para o Brasil”, disse.
No Brasil, João ganhava cerca de R$ 3.000 por mês como jardineiro. Em Londres, ganha cerca de 1.500 libras por mês (o que atualmente equivale a cerca de R$ 7.500).
O caso dele, que vive em situação ilegal, já não é mais tão comum como era na primeira grande onda de imigração para o Reino Unido, segundo especialistas.
Todos os entrevistados dizem que, apesar de ainda chegarem brasileiros ilegais, hoje há mais gente com documentação – principalmente passaportes europeus – do que havia há cerca de dez anos.
Eder Spacki, de 32 anos, ilustra bem esta situação. Entre 2004 e 2009, trabalhou ilegalmente em Londres. Foi descoberto pela fiscalização e passou 14 dias na prisão antes de ser deportado para o Brasil.
Depois disso, passou a reunir documentos para comprovar sua ascendência italiana, assegurando nacionalidade de um país europeu. Conseguiu o documento e, há dois meses, voltou para Londres, onde trabalha como pizzaiolo.
“Não dá para ficar no Brasil. A situação é horrível, o governo é uma vergonha. Vai virar uma Cuba ou uma Venezuela”, afirma.
Com cidadania espanhola, Debora do Carmo, de 45 anos, percorreu um caminho parecido com o de Eder. Após viver em Londres por anos, voltou ao Brasil por sentir saudades. Mas “foi impossível ficar”, segundo ela.
Há quatro meses na capital inglesa, Debora trabalha como babá. Em Poços de Caldas, era professora em uma escola de idiomas. Mas diz que o dinheiro não dava, por causa da inflação.
“Os preços sobem todos no Natal. Como o governo deixa?”, afirma. “O governo nunca foi tão mal administrado. E o Bolsa Família é uma ilusão, eles pagam muito pouco, então tem muito assalto, muita violência”, afirma ela – que diz que também não votaria em Aécio.
Endurecimento
O crescimento no número de brasileiros segue a tendência verificada na entrada no Reino Unido de imigrantes de outras nacionalidades.
No mês passado, o governo britânico divulgou que 641 mil imigrantes entraram no país em 2014 e 323 mil deixaram o Reino Unido no mesmo período – ou seja, houve 318 mil “novos imigrantes”, bem acima da meta de 100 mil estipulada pelo primeiro-ministro David Cameron durante a recente campanha eleitoral.
Cameron anunciou que irá aumentar a repressão aos ilegais. A polícia, inclusive, deve passar a confiscar os salários dos ilegais e deportar na hora quem for pego nessa condição.