Uma cena pouco usual em outras competições de repercussão como Jogos Pan-Americanos e Olímpicos tem chamado a atenção nos pódios brasileiros em Toronto 2015. Saem de cena o choro espontâneo acompanhado da mão na altura do coração e entra a palma da mão esticada na altura da testa e continência a postos para o hino nacional.
Foi assim em competições de judô e natação (carros-chefes do Brasil na busca por medalhas), tiro esportivo, entre outras. O motivo disso é claro: todos os atletas que batem continência viraram militares ao longo dos últimos anos, principalmente depois dos Jogos Mundiais Militares, em 2011, no Rio de Janeiro.
A dúvida que fica é: a atitude tem sido espontânea ou houve um pedido dos militares para que o gesto ganhasse repercussão nacional? O assunto gera polêmica, já que acontece em um momento conturbado da política nacional, com protestos nas ruas em algumas cidades pedindo intervenção militar. Alguns podem levar para o lado político da situação, e outros, como se fosse um agradecimento pelo apoio financeiro recebido pelas Forças Armadas. Claramente, os atletas mostram que o discurso não está afiado e divergem quando o tema é perguntado.
“Na verdade eles pediram para fazer, mas é uma coisa que vem da gente. Ficamos na parte de iniciação um mês lá dentro, aprendemos muita coisa, pegamos o espírito do militarismo e isso ajudou muito a gente. É um orgulho poder estar prestando essa homenagem e lembrando as pessoas o quanto eles estão nos ajudando com isso”, afirmou a judoca Mayra Aguiar, dando a entender que houve uma recomendação.
A nadadora Gracielle Hermann já deu opinião contrária. “A gente tem toda uma instrução do Exército e das Forças Armadas, então é por respeito mesmo. A gente não recebeu nenhuma ordem de prestar continência, mas é em respeito à Pátria. Todas as competições que a gente sobe ao pódio tem que prestar continência. A gente passa por um período de formação e aí a gente fica como terceiro-sargento. Então a gente representa as Forças Armadas”.
A equipe do Terra flagrou em um dos primeiros dias do Pan o judoca Felipe Kitadai recebendo elogios de dois membros das Forças Armadas, durante visita na Vila do Pan, pelo gesto feito quando ganhou a prata, no primeiro dia de competições do judô. “Fez direitinho”, elogiou um.
Dirigentes, até o momento, não se mostraram preocupados com a situação. O chefe de equipe do judô, Ney Wilson, disse que encara com naturalidade essa postura. “A gente vê de uma forma muito natural. Sempre uma parceria, sempre uma forma de apoio. A gente tem muito apoio das Forças Armadas. A gente treina na Escola de Educação Física do Exército, treina na Escola Naval, treina no Cefan (Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes). Então a gente vê como uma parceria. Os atletas fazem de uma maneira natural, porque eles são militares. Eles têm treinamento de militares e acham que como militares têm que prestar continência. Não existe nenhuma obrigatoriedade da nossa parte ou da parte do Exército, ou da Marinha. Tiveram alguns atletas que não prestaram continências apesar de serem militares”.
Atualmente, 610 militares fazem parte do programa esportivo ligado às Forças Armadas, sendo 222 da Marinha, 200 do Exército e 188 da Força Aérea Brasileira. Desses, 123 disputam o Pan em Toronto, ou seja, mais de um sexto da delegação nacional é militar.
Os atletas têm direito a soldos, 13º salário, locais para treinamento, recursos humanos qualificados nas comissões técnicas, participação nas competições do Conselho Internacional do Esporte Militar (CISM), além de plano de saúde, atendimento médico, odontológico, fisioterápico, alimentação e alojamento.
Para receber o apoio, eles fizeram um curso de um mês para ganhar uma patente um pouco mais alta e tem que todo ano fazer um curso de reciclagem, ficando uma semana com membros das Forças Armadas, segundo relataram alguns atletas.